Todos os dias, homens, mulheres e estudantes cruzam as quatro pistas da MG-10, em frente à imponente Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, desafiando o fluxo intenso de veículos que passam a mais de 100 km/h. O trecho, na altura do km 16, tornou-se sinônimo de perigo e descaso. Desde 2007, ao menos 33 pessoas perderam a vida tentando atravessar a rodovia, enquanto dezenas de outras ficaram feridas, algumas com sequelas permanentes.
Moradores do distrito de São Benedito, em Santa Luzia, convivem com o medo diário. O líder comunitário Fernando de Castro, que há quase duas décadas luta pela construção de uma passarela, descreve o ato de atravessar a via como “um mergulho no acaso”. Para ele, cada travessia é uma aposta contra a morte. “Todos os dias, estudantes, pais e mães de família se arriscam para chegar do outro lado. É uma roleta-russa”, lamenta.
Entre as histórias marcadas pela dor está a de Dona Antônia Maia, moradora do São Benedito há mais de 40 anos. Ela perdeu dois primos em um intervalo de apenas três meses — ambos atropelados a caminho do trabalho. “Precisamos dessa passarela, não custa nada para o Estado. O que é essa obra para o governo? Para nós vale a vida da nossa gente. Perdi dois parentes em três meses. É muita dor”, desabafa.
Sem passarela, muitos são obrigados a usar o viaduto Agostinho Patrus, a única alternativa possível para chegar do outro lado. O problema é que o viaduto também é perigoso: não há guarda-corpo, nem calçada. Os pedestres caminham rente aos veículos. Michele Pereira, moradora do bairro Palmital, conhece bem o risco. “Trabalho na Cidade Administrativa e enfrento esse perigo todos os dias. Passar aqui é desesperador”, conta.
Em 2012, diante da omissão do poder público, Fernando de Castro levou o caso ao Ministério Público. A promotora Marta Alves Larcher constatou a veracidade dos óbitos e moveu uma ação civil pública exigindo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG) a construção imediata da passarela. O órgão recorreu duas vezes, perdeu em ambas, e o processo agora está em terceira instância. “Trabalharam na Justiça para não salvar vidas”, critica o líder comunitário.
A contradição fica ainda mais evidente quando se observa que, no km 14 da mesma rodovia, o DER ergueu duas passarelas a apenas 400 metros uma da outra, na altura do bairro Canaã, que tem cerca de 5 mil moradores. Já o São Benedito, com mais de 30 mil habitantes, continua sem nenhuma estrutura. Castro acredita que o impasse tem relação com a estética da Cidade Administrativa. “É inacreditável: vidas estão sendo sacrificadas em nome da aparência de um prédio”, afirma.
Enquanto a burocracia se arrasta e as decisões judiciais não são cumpridas, o perigo segue cotidiano. Cada travessia se torna um desafio, e cada retorno para casa é uma vitória. No dia 22 de julho, Fernando enviou uma carta ao governador Romeu Zema pedindo providências. A solicitação, porém, não teve resposta.
O DER-MG informou que publicou, em 13 de setembro, um edital de licitação para a construção de uma passarela no km 15,8 da MG-10, em frente à Cidade Administrativa. Após questionamento de uma empresa interessada, o edital passou por ajustes e a nova data de abertura das propostas foi marcada para 10 de novembro deste ano.
Crédito da foto: Júlio Moreira/EM/D.A Press
Fonte: Estado de Minas