Ficar em algum ponto de ônibus de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, requer paciência dos usuários do transporte público. Há mais de 60 dias, a Viação Buião, responsável pelos coletivos municipais, deixou de operar. Desde então, os passageiros dependem do transporte intermunicipal ou até mesmo se arriscam no transporte clandestino, popularmente conhecido como “perueiros”.
De acordo com o professor Nilson Ferreira Neto, os problemas começaram há alguns meses quando o número de viagens começou a diminuir. “O problema atualmente é que não temos o transporte público em Vespasiano que faz bairro / centro e centro / bairro. A Viação Buião começou a funcionar precariamente, não cumprindo os horários das linhas e desapareceu. A opção que a gente tem é perueiro e a empresa intermunicipal”, explicou.
Atualmente, os usuários afirmam que pagam R$ 6,30 no valor da passagem intermunicipal. O valor pago quando a Viação Buião operava na cidade era de R$ 3,45. “Eventualmente usar o aplicativo é uma saída, mas imagina o trabalhador usar todos os dias?”, questiona o professor.
A aposentada Maria Luzia Alves de Souza, de 65 anos, não paga passagem, mas, mesmo assim, prefere caminhar a esperar o coletivo. “O transporte está um caos, você espera duas horas e nada de passar. E quando chega está lotado. Isso aqui é uma vergonha, na época do Buião era mais vazio e mais barato. Eu andando a pé e os ônibus parados lá na empresa”, afirmou.
Problemas com a venda da viação
Logo na entrada da Viação Buião LTDA, o slogan é “Há 50 anos crescendo com o progresso de Vespasiano”, mas, ao olhar dentro da empresa, a situação é diferente: ao menos 11 ônibus parados, portas abertas e ninguém no local. A empresa pertence a João Bosco dos Santos, o Buião, ex-jogador do Atlético.
Os ônibus da empresa começaram a rodar no município em 1968, sob o comando do pai de Buião. Ao largar a carreira de atleta, ele assumiu os negócios da família, em 1982.”Nós atendíamos a cidade toda, além da região de Pedro Leopoldo, São José da Lapa, Cachoeira, Confins”, disse.
Segundo ele, no fim do ano passado, recebeu uma proposta do ex-jogador Fábio Júnior para comprar a empresa. As conversas foram até abril deste ano, quando, ainda na versão de Buião, o negócio foi fechado. O empresário não revelou o valor da transação, mas afirmou que havia uma multa de R$ 2 milhões caso o contrato não fosse cumprido.
“Nós fizemos a negociação e dei a ele dois meses para pagar, fizemos uma transação para ele me pagar no dia 11 de maio. Ele desapareceu, não me pagou, não deu satisfação de nada. Eu rescindi o contrato que tinha com ele e voltei com a empresa para o meu nome nos meados de junho. Mas, infelizmente, com a pandemia, perueiros, motoristas de aplicativo, a empresa passou por dificuldades com muitos compromissos que ele deixou para trás, nós paralisamos o transporte aqui dentro”, explicou.
Sem os ônibus nas ruas, as dívidas com cerca de 80 funcionários só crescem. Segundo ele, em contrato, havia sido acordado que Fábio Júnior assumiria todas as dívidas da empresa. “Eu tenho um compromisso de acertar com os funcionários, eu ainda não sei o valor total da dívida, ainda estamos fazendo o levantamento. Eles trabalharam e precisam receber. Primeiro vamos acertar com os funcionários e depois olhamos o que vamos fazer com a empresa”, finalizou.
Posicionamento de Fábio Júnior
Procurado pela reportagem, Fábio Júnior afirmou que houve um início de negociação, mas as tratativas não deram certo. Ainda segundo ele, a Viação Buião já estava com problemas há alguns anos e o fim da empresa “não foi porque o Fábio Júnior deixou de comprar ou não”. O ex-atleta afirmou que não foi dono da empresa. Questionado se algum contrato foi assinado, ele preferiu não comentar.
Frota
28
Era o número de ônibus da Viação Buião, sendo 12 para atender Vespasiano e 16 para as outras cidades. Ao todo, segundo o empresário, antes da pandemia, o número de usuários transportados chegava a cinco mil por dia.
Problemas devem ser resolvidos em 30 dias, afirma prefeitura
A Prefeitura de Vespasiano afirmou que tomou conhecimento dos fatos há cerca de 60 dias e, desde então, trabalha para que o problema seja resolvido. Na última quarta-feira (1) houve uma audiência na Câmara Municipal.
“Hoje, infelizmente, estamos com o serviço de transporte municipal interrompido. A justificativa são as dificuldades financeiras que a empresa passou. As primeiras providências tomadas pela prefeitura foram no sentido de tentar restabelecer essa linha com a própria empresa, não tendo condições, os próximos passos são em relação ao contrato. Primeiro será feita uma notificação para ela retornar. Caso não retorne, o contrato será suspenso e será feita uma contratação emergencial de uma empresa ou um consórcio que assuma o restabelecimento dessas linhas até que o processo licitatório da concessão se desenvolva”, afirmou o secretário municipal de administração, Marcos Vinicius de Souza Lima.
Segundo ele, a Viação Buião tem dez dias para responder desde o momento que foi notificada. O contrato com a empresa era até julho do ano que vem. “Estamos preocupados com isso. Os poderes executivo e legislativo estão empenhados para resolver o problema e, em breve, no prazo que nós estamos estimando de 30 dias, nós esperamos estar com as linhas restabelecidas em condições de uso para os passageiros e com uma tarifa justa que cubra todos os custos necessários dessa operação”, finalizou.
Foi solicitado à prefeitura números de linhas e usuários do transporte público na cidade, mas a assessoria de imprensa informou que precisaria realizar um levantamento. A reportagem procurou a empresa Saritur por e-mail, responsável pelo transporte intermunicipal, mas não teve posicionamento. O espaço segue aberto.
Com a falta de ônibus, perueiros ‘assumem’ transporte na cidade
A qualquer hora do dia ou noite, perueiros, em carros particulares, param nos pontos de ônibus e oferecem o transporte clandestino. O preço pode variar de R$ 5 a R$ 7 dependendo do trajeto. O letrista Raul de Almeida Lima, de 49 anos, paga R$ 7 no deslocamento entre o centro da cidade e o bairro Jardim da Glória. “Eu pego uma vez ou outra e compensa. Eles passam falando o bairro que atendem, tem a questão da agilidade e eles também deixam a gente na porta do destino. Está faltando um transporte municipal de qualidade”, afirmou.
A secretária escolar Janice Xavier, de 39 anos, mora no centro e precisa deslocar até o bairro Santa Clara para trabalhar. No entanto, com a demora do ônibus, ela opta pelo transporte irregular. “A gente fica à mercê dos perueiros, eu pago R$ 5, pago mais barato, mas a segurança é zero. Se passar um carro só com homem, eu não entro. Fico com medo”, afirmou.
Questionado pela reportagem em relação aos perueiros, o secretário de administração informou que a fiscalização é realizada, mas “por questões financeiras do próprio município, o corpo de fiscalização é restrito”.
Táxi-lotação
Outra possibilidade na cidade, de acordo com os moradores, seria um táxi-lotação. “Em 2018 foi aprovada a ‘lei do táxi-lotação’, nós operamos aqui no município em 2018 e 2019 como transporte alternativo. Hoje, ele não está funcionando porque a prefeitura não libera os itinerários”, disse o taxista Durvalino Machado Ferreira.
O secretário municipal de administração rebateu as afirmações. “Realmente, a regulamentação existe, mas, até onde eu sei, ninguém protocolou pedido para poder formalizar o serviço de táxi-lotação. O interessado precisa procurar a Transvesp e colocar o seu carro atendendo às disposições que estão previstas no decreto e se credenciar”, afirmou.