Ser feliz virou uma regra absoluta no mundo atual. Tudo ao nosso redor – desde as academias até as postagens perfeitas nas redes sociais – parece promover a fórmula perfeita para se atingir o bem-estar supremo. Mas será possível que toda essa obsessão pela alegria em tempo integral acabe provocando o efeito oposto e termine deixando as pessoas mais angustiadas, ansiosas e, consequentemente, mais tristes? Especialistas dizem que sim.
Dois estudos publicados em 2011 por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, descrevem que, quanto mais as pessoas valorizam a felicidade, maior é a probabilidade de elas se desapontarem.
A psicóloga e terapeuta de casais Elayne Novais alerta que a pressão social por uma emoção positiva constante pode ser algo muito perigoso.
“A grande dificuldade para muitos é entender que ser feliz não é sentir-se bem o tempo todo; tampouco tem a ver com ausência de sentimentos desconfortáveis, como a ansiedade e a raiva. Estar feliz não nos livra de experiências desagradáveis”, afirma.
Paradoxalmente, a procura por objetivos inatingíveis tende a gerar insatisfação, e não bem-estar.
“A comparação com a vida alheia – aquela velha ideia de que a grama do vizinho está sempre mais verdinha – pode ser uma armadilha mental que vai nos distanciar da nossa própria realidade e, por consequência, da nossa felicidade também. Estar focado o tempo todo em uma vida plena de alegrias e conquistas é irreal e provavelmente vai nos fazer mais infelizes do que felizes”, argumenta Elayne.
O psiquiatra e terapeuta cognitivo-comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira concorda e sublinha os riscos atrelados a uma obrigação para se corresponder a um padrão intangível de felicidade.
“Se o objetivo é inatingível, não importa o quanto alguém mude seu estilo de vida, diminua o estresse ou melhore os momentos de prazer: ir atrás de uma ideia impossível de alegria o tempo inteiro só pode acabar em frustração”, alerta ele.
Para o médico, quem enxerga a felicidade como uma exigência fatalmente se depara com o sofrimento e a dor.
“A ideia de ser feliz não é um consenso, e é importante separarmos os conceitos de felicidade condicionada – aquela que temos em momentos de muita alegria, como uma conquista ou uma reciprocidade amorosa, por exemplo – e o de felicidade genuína, que independe de estímulos externos e, por isso mesmo, não é tão efêmera”, destaca Ferreira.
“Uma felicidade genuína não contempla somente situações prazerosas, mas também se adapta às tristezas e ansiedades da existência, já que todos esses sentimentos são plenos de significado, mesmo que muitas vezes sejam cercados de momentos desconfortáveis”, completa o especialista.
Segundo Carolina da Costa Lima, psicóloga clínica e especialista em terapia cognitivo-comportamental, evitar experiências negativas pode nos fazer incapazes de lidar com as aflições que surgirem nas nossas vidas.
“A gente tem uma tendência a achar que a felicidade é estar pleno, ter uma vida perfeita, ausente de sofrimento e de coisas ruins. A verdade, porém, é bem diferente: para sermos felizes, precisamos aprender a lidar com o sofrimento. As pessoas mais felizes são as que aceitam as provações e se utilizam delas como uma forma para melhorar quem são ou para criar novas possibilidades e até mesmo vencer dificuldades”, discorre.
Carolina acrescenta que um grande erro é pensarmos que felicidade e alegria são estados idênticos e intercambiáveis.
“Fazemos relação direta entre ambas, mas alegria é uma emoção, e a felicidade não se resume em simplesmente sentir essa emoção, mas sim em aprender a lidar com tudo aquilo que a vida nos traz de indesejável. No fim das contas, se soubermos usá-las, todas as experiências – as boas e as ruins – podem nos trazer coisas importantes. Para isso, precisamos valorizar o processo e o progresso, e não só o resultado final”, recomenda a psicóloga.
Preservando a saúde mental
Diante de tudo isso, como podemos manter a saúde mental e evitar que conceitos irreais de satisfação interfiram no nosso bem-estar e felicidade?
“Traçando e buscando por metas e objetivos mais realistas. As metas precisam ser específicas, mensuráveis, atingíveis, realizáveis e ter um tempo para a realização. É importante avaliar se as suas metas atendem esses critérios”, propõe Carolina da Costa Lima.
Rodrigo de Almeida Ferreira recomenda que o saudável é tentar não replicar tudo o que vemos na internet.
“O ideal é limitar o uso de redes sociais, já que elas favorecem bastante esse estado de comparação com a realidade alheia. Mas, se você acha isso muito difícil, uma sugestão é praticar interações ativas nos aplicativos em vez de ficar simplesmente rolando o feed e olhando ‘vida perfeita’ dos outros”, comenta.
Ele diz ainda que praticar a gratidão é outro elemento que pode ajudar-nos a preservar a saúde mental.
“Valorizar as pessoas e as situações ao nosso redor nos dá perspectiva e nos mantém centrados no que realmente importa. Mesmo os momentos de alegria ou prazer são efêmeros e, quando passarem, vão deixar uma sensação de incompletude e de vazio”, observa Ferreira.
Portanto, é preciso lembrarmos sempre que estamos em um processo perpétuo de autoaperfeiçoamento.
“E, se esse processo não for envolvido com muita gentileza e autocompaixão, não vai surtir efeito algum. Sendo assim, abrir espaço para todas as experiências do existir é essencial para que um dia, quem sabe, venhamos a conhecer a real felicidade plena”, resume.
Fonte: O Tempo.