Ozempic e remédios similares só poderão ser vendidos com retenção de receita médica; Anvisa impõe controle mais rigoroso após uso abusivo

Por Dentro De Tudo:

Compartilhe

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que medicamentos usados no tratamento da obesidade e diabetes tipo 2, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e similares, só poderão ser vendidos mediante retenção da receita médica. A medida, que altera a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 471/2021, entra em vigor 60 dias após publicação no Diário Oficial da União e busca conter o uso indiscriminado dessas substâncias no Brasil.

Os medicamentos, classificados como agonistas do GLP-1, foram inicialmente desenvolvidos para auxiliar no controle da glicemia em pacientes com diabetes tipo 2. Com o passar do tempo, estudos científicos demonstraram também um efeito considerável na perda de peso — o que fez com que passassem a ser indicados para o tratamento da obesidade. No entanto, seu uso se popularizou entre pessoas que não se enquadram nos critérios médicos para o tratamento, muitas vezes sem qualquer orientação profissional.

De acordo com dados apresentados à Anvisa pela pesquisadora da USP Thamires Capello, 45% dos consumidores dessas chamadas “canetas emagrecedoras” adquiriram os produtos sem prescrição médica, e 73% nunca foram acompanhados por um profissional de saúde. Além disso, mais da metade dos entrevistados usou as substâncias exclusivamente para emagrecer, sem diagnóstico de obesidade.

Especialistas alertam que essa prática representa um risco à saúde pública. O uso indiscriminado pode causar efeitos colaterais como náuseas, vômitos, desnutrição, perda de massa muscular, queda de cabelo, inflamações gastrointestinais e deficiência de vitaminas. Em casos mais graves, há risco de pancreatite e alterações na tireoide.

“O uso inadequado pode desencadear sérias consequências, como desnutrição e efeitos colaterais severos. Com o acompanhamento médico, esses efeitos são monitorados, e estratégias de tratamento são ajustadas conforme a resposta do paciente”, afirma a endocrinologista Cristina Schreiber, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

O nutrólogo Noé Alvarenga complementa: “Sem o suporte de um profissional, o paciente pode perder massa magra de forma irreversível. Além disso, há o risco de reganho de peso acelerado após a suspensão do medicamento”.

Além dos efeitos sobre a saúde, o uso descontrolado provoca também impacto no acesso aos medicamentos por quem realmente precisa. A escassez nas farmácias já afeta pacientes com diabetes tipo 2, que dependem dessas substâncias para o controle da doença.

A nova exigência da Anvisa de reter a receita médica visa conter esse cenário. Embora os medicamentos já fossem de tarja vermelha — o que exige receita —, na prática muitos estabelecimentos não exigiam o documento, facilitando a compra sem indicação médica.

A decisão da agência foi motivada também por dados do sistema de farmacovigilância VigiMed, que apontou um número elevado de eventos adversos no Brasil associados ao uso fora das indicações aprovadas. A Anvisa reforça que a medida tem como foco a proteção da saúde da população e o uso racional dos medicamentos.

Outro fator que acende o alerta das autoridades é o mercado ilegal. Segundo reportagem exibida pelo programa Fantástico, mais de 350 apreensões de medicamentos falsificados e contrabandeados foram feitas apenas neste ano em aeroportos brasileiros. Em duas dessas ações recentes, mais de 600 canetas foram confiscadas pela Receita Federal no Aeroporto Internacional do Recife.

A endocrinologista Samara Rodrigues, membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), destaca que a obesidade é uma doença crônica, multifatorial e de tratamento complexo. “O uso de medicamentos precisa estar dentro de um plano terapêutico estruturado, com mudanças no estilo de vida, alimentação balanceada, prática de atividades físicas e, principalmente, acompanhamento constante de profissionais de saúde”, diz.

Para Rodrigues, a popularização dos medicamentos como fórmula mágica para emagrecer também mascara os riscos. “A automedicação e o uso por recomendação de influenciadores ou amigos são extremamente perigosos. Os efeitos colaterais existem, e sem monitoramento, as consequências podem ser graves.”

A empresa Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e Wegovy, afirmou em nota que compartilha das preocupações da Anvisa e defende o uso consciente, responsável e com prescrição médica dos seus produtos.

A nova regulamentação é um marco na tentativa de coibir o uso indevido de medicamentos voltados para o tratamento de doenças graves, protegendo os pacientes e orientando a sociedade sobre a importância do cuidado com a saúde.

Fonte: g1, Anvisa, SBEM, Abeso

Imagem: Adobe Stock

Encontre uma reportagem