Falta ar, embaça os óculos, dificulta a audição. De todas as perdas em um ano e meio de pandemia, uma que chama atenção é o sorriso, que parece ter ficado esquecido debaixo das máscaras. Depois de 15 meses entre isolamentos, flexibilizações e restrições, o cenário, que já parecia difícil no inicio, é ainda mais preocupante quando o assunto é saúde mental. Segundo estudo realizado no último mês pela empresa de Hibou, especializada em pesquisa e monitoramento de mercado e consumo, 54% dos brasileiros estão chorando mais atualmente do que no começo da pandemia.
Se há um ano oito em cada dez pessoas apostavam que nos anos seguintes a vida seria melhor, agora 71% nem sequer dão risadas. O motivo é que o cansaço virou rotina, de acordo com a coordenadora do estudo, Lígia Mello. Segundo ela, pelo menos 80% dos entrevistados afirmaram que se sentem mais cansados nos dias de hoje. “É uma junção de fatores, mas o principal é que as pessoas achavam que a pandemia iria acabar, e não acabou. A falta de perspectiva trouxe desesperança. As pesquisas mostraram que para este ano as pessoas já desistiram de acreditar em alguma melhora”, avalia Lígia, que ressalta que a fadiga tem trazido consequências, como a impaciência social. Segundo o levantamento, 66% dos brasileiros afirmaram estar mais irritados com outras pessoas.
“As pessoas estão ansiosas, cansadas de verem o mundo retomando a vida, enquanto aqui não (retoma). Gera o sentimento de comparação. A vacina ágil para todos é o fator decisivo para a maioria para que o país saia desse cenário de estagnação”, completa a coordenadora do estudo.
Angústia.
Morre o ator famoso, o porteiro, um familiar, o vizinho. Depois de mais de 500 mil óbitos, quem ficou precisou aprender a lidar com a solidão. “A pandemia me deixou muito para baixo, com a autoestima derrubada. Eu sei que a morte vem em algum momento para todo mundo, mas, se vier agora, a sensação é que a vida parou e que todos poderiam ter tido a chance de ter muito mais para viver”, expõe Ivanete Barreto, 51, que está desempregada.
Assim como ela, 58% dos brasileiros – considerados até 2020 um dos povos mais otimistas do mundo – afirmaram ter desistido de algum projeto. Devido à sobrecarga de trabalho (51%), 56% dos entrevistados também não estão conseguindo dormir em decorrência dos hábitos desregrados e dos sentimentos de incerteza que hoje habitam o dia a dia de muitos.
“Eu queria pensar menos, me tornei muito pensativa. Ao mesmo tempo que acredito que com isso me tornei uma pessoa melhor, mais empática com a dor do outro, tudo me afeta também”, conta a professora Rafaela Lopes, 31, que vai tentando equilibrar a angústia. “É um misto de fé e ansiedade, apesar de que a ansiedade tem vencido mais, mas o amor continua no coração, vou tentando me lembrar dessas coisas”, relata.
População perde esperança e motivação
Se no início da pandemia as queixas mais constantes nos consultórios psicológicos eram relacionadas ao medo da doença, agora a reclamação de quase todos os pacientes é a mesma: desesperança e falta de motivação. Segundo a psicóloga Janaína Fidelis, em um ano houve um aumento na intensidade de sintomas de ansiedade e depressão de quem já apresentava quadros das doenças. O estudo realizado pela Hibou apontou, inclusive, que 28% da população toma medicamentos para as enfermidades.
“Objetivos são o que nos move e nos faz querer ir em direção a um sonho. A falta de perspectiva de planejar umas férias, encontrar a família faz com que os transtornos fiquem mais acentuados. Temos visto quadros de ansiedade que evoluíram para síndrome do pânico”, explica.
Negação. Por outro lado, conta a psicoterapeuta Renata Feldman, há quem negue o vírus, a pandemia e sentimentos comuns nesse contexto e continue vivendo como se a doença não existisse. “Isso é uma fuga, não querer se conectar à realidade. É uma distorção muito séria também”, explica.
Janaína Fidelis defende a busca pelo equilíbrio. “Seja gentil com você mesmo. Se engordou, tudo bem não vestir 38 mais, mas agora usar manequim 40. O mundo já está impondo demais, não fique se chicoteando e cobrando por produtividade e aprendizado. Não tem como as coisas serem como eram antes”.