Grávida de nove meses, a estudante Greice Kely de Souza chegou na manhã de 2 de janeiro de 2018 ao Hospital Poços de Caldas, na cidade mineira homônima, sentindo-se mal —tinha dor de cabeça e a visão turva. Então com 25 anos, esperava uma menina, Manoela. Seria mãe pela primeira vez, assim como o pai da criança, o mecânico João Gabriel da Silva, à época com 24 anos.
A gestante tinha sintomas de pré-eclâmpsia, uma espécie de hipertensão na gravidez, mas, durante o atendimento, sofreu duas convulsões. A bebê nasceu sem sinais vitais, chegou a ir para a UTI, mas morreu no dia seguinte.
Enquanto Greice penava para ser atendida, seu companheiro viveu outro calvário, sendo obrigado pelo hospital a pagar uma caução de R$ 18,8 mil (R$ 10 mil à vista), sob a alegação de que a paciente não havia cumprido a carência da seguradora.
O plano de saúde, feito pelo casal cinco meses e meio antes do episódio, era da seguradora Climepe, proprietária do hospital e mais tarde comprada pela Notredame Intermédica. O contrato, porém, afastava a carência em casos de urgência e emergência como aquele. A cobrança de caução, ademais, é prática enquadrada como crime no Código Penal.
O casal processou o plano de saúde, argumentando que Greice foi vítima de negligência, não teve o atendimento médico adequado —recebeu uma subdose do remédio que poderia ter evitado a segunda convulsão—, e que o hospital cobrou indevidamente a caução.
Em decisão do último dia 31 de maio, o juiz Carlos Alberto Pereira da Silva, da 4ª Vara Cível da Comarca de Poços de Caldas, acolheu o pedido do casal e condenou a Notredame Intermédica a indenizá-los em R$ 250 mil —o valor integral pedido na ação—, além de restituí-los, com correção, dos R$ 18,8 mil pagos como caução.
Na sentença, o magistrado escreveu “que a situação causou aflição, ansiedade e frustrações anormais, constrangimento, fortes sentimentos de estar sendo injustiçado, ensejando danos na esfera íntima dos autores e abalos emocionais e psicológicos, tendo como justa a indenização” de R$ 250 mil, “por se tratar de valor razoável e proporcional à lesão causada, embora não possa devolver a vida do filho”.
O casal disse que a sentença trazia uma “sensação de justiça, alívio e esperança”.
“É uma dor impossível de descrever a perda da nossa filha, uma tristeza inigualável ter que relembrar todo o sofrimento que passamos e que sentiremos por toda a vida”, afirmaram em uma declaração conjunta.
Greice e João Gabriel afirmaram ter entrado com o processo para que a morte da filha “não seja em vão, para fazer justiça por nós e por todos os pais que sofrem de alguma forma com o descaso e frieza desses planos de saúde.”
O advogado que os representou, Augusto de Paula Barbosa, especializado em direito do consumidor e ex-membro consultor da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB, afirmou que jamais tinha visto em sua carreira de 16 anos “a valorização do direito” como neste caso.
“Renovou meu ânimo com a advocacia. No Brasil há um desrespeito sistemático à legislação de defesa do consumidor, porque é lucrativo violar a lei”. Barbosa chamou a atenção para o fato de a ré não ter nem sequer sugerido um acordo. “A regra no Brasil é: quanto maior a empresa, menor a chance de acordo.”
A Notredame Intermédica vai recorrer da decisão. Em nota, informou “que está à disposição da família para esclarecimentos”. “No entanto, como o caso em questão encontra-se na Justiça, a companhia não comenta processos judiciais em andamento.”