Por que os brasileiros gostam tanto de açúcar

Por Dentro De Tudo:

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Morango do amor, doce que combina leite condensado, morango e açúcar, se tornou uma sensação no último mês. Do morango do amor aos brigadeiros gourmet, passando pelos bolos de pote e ovos de Páscoa recheados, o Brasil viveu sucessivas “febres” de doces. Mas, afinal, por que os brasileiros gostam tanto de açúcar? A história do açúcar no Brasil começa séculos atrás, bem antes dos doces modernos, e tem relação direta com a colonização portuguesa. A cana-de-açúcar, de onde boa parte do açúcar utilizado no país é extraído, é originária da Papua Nova Guiné, na Oceania. Pesquisadores acreditam que ela passou a ser cultivada pelos seres humanos há cerca de 10 mil anos e, aos poucos, se espalhou pela Polinésia, pela Ásia e pelo Mediterrâneo. Durante muito tempo, a oferta de açúcar era bem limitada e ficava restrita às farmácias, onde era usada na formulação de remédios ou como tônico para dar energia. Isso começou a mudar a partir do século 14, quando Portugal investiu nas suas primeiras grandes plantações de cana-de-açúcar na Ilha da Madeira, modelo que foi expandido para o Brasil — em uma escala ainda maior — a partir do século 16. O açúcar se tornou a grande commodity da então colônia portuguesa, que dependia da mão-de-obra de escravizados nas lavouras e nos engenhos.

Em seu livro História da Alimentação no Brasil, o historiador Luís da Câmara Cascudo estima que, entre 1583 e 1587, os 66 engenhos de Pernambuco produziram quase 3 mil toneladas de açúcar. Embora boa parte dessa produção fosse exportada para a Europa, a facilidade de acesso ao açúcar no Brasil influenciou diretamente receitas de bolos, sobremesas, conservas e compotas com frutas. Segundo a historiadora Vera Ferlini, do USP, no século 16 já se percebe a mudança nos livros de receitas das rainhas, substituindo mel por açúcar em preparações como o manjar branco. Gradualmente, o açúcar passou a integrar a dieta e os receituários conventuais de doces, que ainda hoje influenciam a doçaria brasileira. Houve ainda a contribuição dos africanos e indígenas, que preferiam sabores naturais de frutas como cupuaçu, açaí, guaraná e caju, ou do mel das abelhas. Mesmo séculos depois, o Brasil continua sendo o maior exportador de açúcar do mundo.

A relação do brasileiro com o açúcar se diversificou a partir do século 20, com a industrialização dos alimentos trazendo produtos como refrigerantes, bolachas recheadas e o leite condensado. Em 2021, a Nestlé informou que o leite condensado estava presente na casa de 94% dos brasileiros, que consomem em média 6,5 quilos por ano, sendo usado em cerca de 60% das sobremesas no país, incluindo brigadeiros, mousses, pavês e morango do amor. Para a historiadora Débora Oliveira, o leite condensado combina doçura, umidade e neutralidade de sabor, permitindo adicionar ingredientes variados como chocolate, frutas e castanhas, facilitando a criação de sobremesas populares.

O brigadeiro, símbolo da doçaria brasileira, é feito com uma lata de leite condensado, que contém 55 gramas de açúcar a cada 100 gramas. Originalmente promovido como alimento para bebês, o leite condensado ganhou popularidade por ser prático, confiável e barato, com fascículos e instruções de preparo que se tornaram colecionáveis. Além disso, o doce teve relevância política: o brigadeiro surgiu em 1945 na campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência, e anos depois voltou à mídia durante polêmicas envolvendo o governo federal.

Comparando receitas, o brasileiro tende a usar mais açúcar do que outros países: o tradicional bolo de cenoura com cobertura de chocolate leva cerca de 400 gramas de açúcar no Brasil, enquanto a versão inglesa utiliza 200 gramas. Situação semelhante ocorre com pudins e doces de leite. Segundo o Ministério da Saúde, o brasileiro consome em média 80 gramas de açúcar por dia, 50% acima do limite recomendado pela OMS, e esse consumo tem aumentado ao longo das décadas. Estima-se que 60% desse açúcar vem de adição em alimentos e bebidas, enquanto o restante está presente em produtos processados e ultraprocessados.

O consumo elevado de açúcar está relacionado a problemas de saúde, incluindo obesidade, diabetes tipo 1, hipertensão, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. A nutricionista Daniela Canella recomenda moderação, redução gradual do açúcar nas receitas e valorização do sabor natural dos ingredientes, evitando ultraprocessados e ajustando o paladar aos poucos. Assim, é possível equilibrar saúde e prazer à mesa, sem abrir mão de doces tradicionais como o morango do amor.

Crédito da foto: Getty Images via BBC

Fonte: BBC

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