A recente melhora na renda das famílias brasileiras ainda não foi suficiente para aliviar a percepção sobre a economia e o orçamento no fim do mês. Muitos brasileiros, principalmente das classes B, C, D e E, continuam a destinar uma parte significativa do salário para cobrir despesas básicas. Um levantamento realizado pelo g1 comparou os gastos dos consumidores com uma cesta de itens similares no Brasil, nos Estados Unidos e em Portugal. A escolha dos itens considerou produtos comuns nos três países, mas os dados têm caráter apenas ilustrativo, pois não levam em conta o consumo médio das famílias nem a média geral de preços dos produtos.
Os dados indicam que um brasileiro que ganha um salário mínimo por mês gastaria cerca de 13,22% do orçamento com os itens selecionados, enquanto um trabalhador que ganha um salário mínimo em Portugal destinaria aproximadamente 5,13% do total. Nos Estados Unidos, esse percentual é ainda menor, 4,08%. Especialistas atribuem essa diferença a diversos fatores, incluindo a inflação ainda alta no Brasil e a taxa de câmbio que, mesmo em desvalorização no ano, continua a pressionar parte dos preços no país.
Apesar da melhora no rendimento dos brasileiros vista nos últimos meses, a inflação elevada e o alto nível de incertezas econômicas continuam a limitar o avanço da renda real. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o valor recebido pelos brasileiros, já descontada a inflação, ficou em R$ 3.540 no terceiro trimestre deste ano, uma alta de 4% em relação ao mesmo período de 2024. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, alcançou 4,68% em 12 meses, ainda acima do intervalo de tolerância da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 4,5%.
Bertha Rohenkohl, economista e líder de pesquisa do projeto Our World In Data (OWID), afirma que, embora o Brasil seja classificado pelo Banco Mundial como um país de renda média alta, seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita ainda é menor que em economias mais desenvolvidas e até mesmo de alguns vizinhos sul-americanos. Ela ressalta que, ao juntar dados de renda e preços, percebe-se que os brasileiros têm uma renda média mais baixa do que os habitantes de países ricos. Apesar de os preços internos serem menores, essa diferença não é suficiente para compensar a distância na renda.
O economista sênior do Banco Mundial, Hugo Ñopo, destaca que, embora o salário mínimo real do Brasil tenha crescido 91% entre 2001 e 2015, esse cenário mudou nos anos seguintes. A inflação corroeu o poder de compra das famílias entre 2016 e 2021, com os preços gerais chegando a ficar 36% mais altos, e a inflação dos alimentos atingindo 46% no mesmo período. Como consequência, a renda real das famílias nos 40% mais pobres era menor em 2021 do que em 2016. Nos anos recentes, o avanço dos preços continuou a corroer o poder de compra dos brasileiros, especialmente das famílias de renda mais baixa.
Rohenkohl aponta que o aumento da inflação foi impulsionado principalmente por alimentos, gasolina e pela valorização do dólar. Ao comparar a trajetória do Brasil com a de outros países desde 2010, verifica-se que o país enfrentou preços mais altos do que muitas outras economias. Se a renda média não cresceu muito nos últimos anos, o aumento dos preços sugere que o custo de vida no Brasil está encarecendo.
Comparar o custo de vida entre os países é uma tarefa complexa, uma vez que envolve diversos dados econômicos. O projeto Our World In Data (OWID), com pesquisadores da Universidade de Oxford, formatou o Índice de Nível de Preços (PLI), que considera as Paridades de Poder de Compra (PPP) calculadas pelo Banco Mundial. As PPPs mostram quanto é preciso gastar em cada país para adquirir a mesma cesta de bens e serviços de um país de referência, geralmente os Estados Unidos. Os dados do PLI indicam que os preços médios de bens e serviços no Brasil são mais caros do que em mais da metade (52%) dos 192 países avaliados.
Embora países mais ricos costumem ter preços mais elevados, no caso do Brasil, isso nem sempre se confirma. A média dos preços algumas vezes se iguala ou até supera a de países com PIB per capita mais alto. Entre os países que apresentam preços mais baixos que os do Brasil, apesar do PIB mais elevado, estão Armênia, Bulgária, República Dominicana, Cazaquistão, Malásia, Romênia, Rússia, Tailândia e Turquia. Marko Rissanen, gerente do Programa de Preços e Comparações Internacionais do Banco Mundial, destaca que as diferenças no poder de compra das famílias são influenciadas pela forma como a economia é organizada, pelas políticas adotadas pelo governo e pela produtividade de cada país.
Rohenkohl alerta que é preciso cautela ao comparar países, pois o cálculo do Índice de Nível de Preços (PLI) utiliza dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de 2021, a última pesquisa disponível do Banco Mundial. Após esse ano, os valores refletem mais projeções do que mudanças reais nos preços. É importante lembrar que esses preços são para os produtos que entram na cesta do PIB e não captam diretamente o preço de consumo ou o custo de vida das famílias.
Os economistas consultados pelo g1 destacam que a percepção de que está mais caro viver no Brasil deve continuar nos próximos anos. Mesmo com a melhora na renda, ainda existe grande desigualdade econômica e de riqueza, o que também explica a diferença de poder de compra entre países. Rohenkohl explica que, além da produtividade, especialmente no setor de serviços, a taxa de câmbio é outro fator que pode influenciar os preços. Neste ano, apesar de o dólar acumular uma desvalorização de mais de 10%, a moeda permanece em patamares acima do período pré-pandemia. Desde 2019, a moeda norte-americana subiu 32,1%, chegando a R$ 5,2967. A economista destaca que os preços elevados e as incertezas econômicas também têm limitado o crescimento da renda real pelo mundo, e o Brasil não é uma exceção. Além disso, tributação, subsídios, tarifas de importação e concorrência doméstica também impactam os preços finais ao consumidor.
Crédito da foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Fonte: g1



















