O caminho da igualdade de gênero ainda é bastante distante no universo profissional. Segundo o Fórum Econômico Mundial, essa equidade foi atrasada e poderá demorar mais de 135 anos para se equalizar devido à pandemia. Entre os desafios enfrentados pelas mulheres, a dupla jornada, especialmente com a chegada dos filhos, se mostra um dos fatores que pesa para o desequilíbrio nessa balança.
Para Daniela Graicar, fundadora do Movimento Aladas, é preciso ainda desmistificar o viés da maternidade. “Na minha primeira maternidade, perdi vários clientes que claramente acharam que eu não voltaria ao trabalho com a mesma energia. Homens e mulheres. Acabei ficando somente 20 dias fisicamente distante da agência. Essa dependência que os pequenos negócios têm em relação à fundadora é muito importante. Fato é que minha energia nunca diminuiu e a maternidade nos torna mais produtivas, focadas e jamais incapazes de dar conta do recado.”, comenta.
Diante desse cenário, um dos caminhos que têm conquistado cada vez mais força é o do empreendedorismo, que se apresenta para muitas dessas mães como alternativa para equilibrar o lado pessoal e profissional. Essa é uma das conclusões apontadas pela pesquisa “O voo delas”, realizada em parceria pelo Movimento Aladas e o Sebrae São Paulo: 46% das mulheres que abriram seus próprios negócios durante a pandemia têm como objetivo ter mais autonomia e flexibilidade para ficar com a família.
A análise, feita com mais de 1,1 mil mulheres, também teve como objetivo explorar o dia a dia e os desafios do público feminino ao empreender e gerir seus negócios. E a partir dela foi possível notar que as brasileiras estão indicando sua jornada no empreendedorismo de forma planejada e com menos idade. Das entrevistadas pelo Aladas e Sebrae, 25% se encaixam na faixa etária entre 18 e 30 anos. No início da pandemia, esse porcentual foi de 14% e no período pré-pandemia, de 6%.
“Isso demonstra que as mulheres estão empreendendo mais jovens, se sentindo preparadas e seguras mais cedo e perdendo um pouco do medo de errar e correr riscos. Empreender não é fácil, mas pode ser uma saída para a autonomia e liberdade. Quando a gente tem acesso à informação, ganha coragem de avançar no empreendedorismo”, afirma Thais Piffer, Gerente de Gestão Estratégica do Sebrae-SP.
Além disso, a fundadora do Aladas aponta uma reflexão importante: “Existe uma pergunta que devemos eliminar do ecossistema empreendedor: Quem vai cuidar da sua empresa quando você der à luz? Ué?! Eu mesma! Dar à luz não é apagar a luz! Caro investidor, cliente, sócio, depois do parto, a gente segue aqui, equilibrando os pratos da vida com desenvoltura, sorrindo, aprendendo a impor limites e a dividir os cuidados com mais alguém. Afinal, a não ser que a mulher tenha optado por ser mãe solo, esse bebê também tem pai ou uma outra mãe.”
No entanto, iniciar um negócio também exige das mulheres esforços múltiplos, tanto no tocante ao acúmulo de tarefas, como para encarar barreiras como a falta de acesso ao capital – problemas que continuam impedindo muitas mulheres de avançarem com seus projetos.
Daniela Graicar destaca que, diferentemente do perfil da empreendedora de 2019, que partia para esse caminho por conta da necessidade de trazer renda para casa, hoje as mulheres olham além. “Elas estão desenvolvendo novas habilidades, estudando e se dedicando ao seu negócio, como os homens já fazem há muito tempo. Empreender passa a ser uma escolha de muitas”, complementa.
Durante a pandemia, 33% dos novos negócios foram abertos por mulheres, contra 29% por homens, segundo a pesquisa. Apesar disso, houve uma redução de 51% no percentual de negócios liderados por mulheres no período entre março de 2020 a agosto deste ano.
Outro dado relevante é que 78% das mulheres entrevistadas abriram seus negócios com recursos próprios e apenas 6% contaram com a ajuda do banco. “As mulheres são as mais adimplentes e mesmo assim elas encontram dificuldade de conseguir financiamento bancário. Se conseguem, acabam aceitando juros mais elevados (segundo o BMI, 3,5% a mais) pela dificuldade de negociar a condição oferecida”, analisa a fundadora do Aladas.
Em busca do seu sonho
Em Junho de 2020, no auge da pandemia, a publicitária Monique Lima decidiu deixar seu emprego em uma das maiores agências de marketing do país para dar asas a um sonho antigo e ter mais flexibilidade para ficar com a família: uma plataforma de live commerce. Ela, que é mãe de dois, decidiu ainda na licença maternidade do segundo filho se aventurar no mundo do empreendedorismo.
Passados quase dois anos, a Mimo Live Sales acumula mais de 700 clientes, entre os quais grandes players como Dolce & Gabana, Givenchy e C&A – além de ter sido uma das startups destaque do South by Southwest (SXSW) 2022, maior evento voltado à inovação e criatividade do mundo, realizado nos Eua em março. O negócio agora se prepara para alçar voos ainda mais altos, expandindo sua atuação para outros países da América Latina e também na Europa.
A história de Monique é uma das muitas que ajudam a ilustrar os resultados da pesquisa . Os dados mostram que, assim como ela, 62% das mulheres que iniciaram negócios em 2020 e 2021 afirmam terem sido impulsionadas pelo sonho ou pelo desejo de trabalhar com o que gostam.
“Sonhar com o negócio próprio está se tornando cada vez mais a mola que move as mulheres em direção ao empreendedorismo, e não a necessidade. É a oportunidade hoje quem guia o desejo”, avalia Thais.
E o acesso à informação tem sido fundamental nesse processo, acredita a especialista. A pesquisa apontou que as mulheres dedicam mais tempo à capacitação em temas como gestão e empreendedorismo.
Desistir? Jamais!
Pouco mais da metade das mulheres empreendedoras afirmou que em algum momento pensou em desistir do negócio – cerca de 52%, o que significa um porcentual 13% acima do registrado pelos homens – 46%. Entre as justificativas para se manter firme na decisão de seguir empreendendo estão o sonho (43%), o que já construíram até ali (34%) e a necessidade financeira (31%).
“Cada vez menos as mulheres pensam em desistir. As mulheres se sentem cada vez mais preparadas em relação às habilidades emocionais, aspecto importante para o sucesso dos negócios”, enfatiza Daniela.
A pesquisa Aladas/Sebrae apontou que 53% das mulheres empreendedoras optaram por empresas voltadas ao varejo, enquanto 40% preferiram o setor de serviços.
Números como esses trazem um novo horizonte para o empreendedorismo feminino, na visão da fundadora do Aladas. “Nós precisamos pensar nas próximas gerações. Não é fácil resolver o problema da falta de equidade, mas já estamos dando alguns passos importantes. As mulheres estão criando coragem para pivotar suas carreiras, aprendendo a dizer ‘não’ e a gerir seus negócios com segurança e leveza”, conclui Daniela Graicar.
O PDF da pesquisa completa pode ser acessado clicando AQUI.