Em agosto deste ano um estudo já alertava para a possibilidade de um surto de escabiose, a sarna humana, em consequência do uso indiscriminado da ivermectina, medicamento que se popularizou no Brasil durante a pandemia por integrar o chamado “kit covid”, com remédios sem eficácia comprovada contra a doença.
O estudo, publicado pelo Núcleo de Estudos em Farmacoterapia (NEF) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), agora poderá ajudar na investigação do surto de coceira que vem acontecendo em Pernambuco. Recentemente, um novo surto de escabiose também chamou atenção em comunidades no litoral de São Paulo, onde um bebê chegou a precisar ser hospitalizado pela doença.
De acordo com a Ufal, o artigo foi elaborado pelos pesquisadores do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF), Alfredo Oliveira-Filho e Sabrina Neves, e pelos estudantes Lucas Bezerra e Natália Alves. Eles observaram casos de resistência à ivermectina já relatados, surtos isolados e dados sobre o aumento de consumo do medicamento.
“O nosso artigo lança a hipótese de que poderíamos ter problemas com surtos de escabiose resistente, por conta do uso irracional da ivermectina. O surto está configurado, pois está havendo um aumento rápido de casos de lesões de pele com coceira e outros sintomas”, contextualiza Sabrina.
A pesquisadora ressalta que ainda não há diagnóstico da doença que está causando o surto na Grande Recife. “Algumas hipóteses da etiologia [origem] estão sendo testadas, entre elas está a escabiose levantada pelo artigo”, complementa.
Sabrina também explica que são necessários alguns testes e o descarte de outras hipóteses para então confirmar as questões levantadas no artigo.
Coceira misteriosa
Até agora, pelo menos 264 moradores de seis cidades da região metropolitana de Recife já procuraram ajuda médica após apresentarem lesões cutâneas. Os casos são investigados pelas secretarias municipais de saúde.
Ainda conforme a Ufal, estes pacientes se queixam de “coceira forte, intensificada no período da noite, e que evolui para feridas, mesmo com o uso de antialérgicos”.
Segundo Sabrina, com o objetivo de mapear possíveis surtos em outras regiões do país, um alerta com os sintomas foram emitidos para os serviços de saúde dos outros Estados. Com isso, todos deverão notificar o atendimento de pacientes com estes sintomas.
Resistência ao medicamento
A pesquisadora está acompanhando de perto a situação e, se comprovada a relação entre o surto e a ivermectina, é possível prever futuras complicações de saúde pública.
“A hipótese do artigo é que é possível que o Sarcoptes scabiei, ácaro causador da escabiose, pode ter desenvolvido resistência à ivermectina. Se essa hipótese se confirma, temos um problema enorme, pois a doença poderia atingir qualquer população, e o que é pior, com dificuldade de tratamento”, alerta.
O trabalho da universidade federal lembrava que, desde que um estudo inicial apontou para a possível eficácia do remédio contra a Covid-19, o antiparasitário apresentou um aumento de quase dez vezes em seu consumo.
Apesar de novos estudos terem demonstrado a ineficácia do medicamento, o seu uso indiscriminado continuou, inclusive com incentivo do presidente da república, Jair Bolsonaro, que diversas vezes defendeu a sua distribuição.
“O uso irracional de medicamentos é um problema de saúde pública, porém, no caso de antibióticos, antiparasitários e antifúngicos, esse problema ganha proporções maiores. Quando utilizamos de forma irracional/incorreta medicamentos, como a ivermectina, corremos o risco de induzir a resistência do parasita ao medicamento que deveria tratar a doença causada por ele”, reforça a professora Sabrina.
O trabalho completo pode ser acessado clicando aqui.