O hábito de enviar e receber cartas — outrora um dos principais meios de comunicação — segue em queda em todo o mundo. Nos últimos 20 anos, o envio de mensagens impressas, como cartas registradas, telegramas e malotes, caiu mais de 70%, somando hoje cerca de 2 bilhões de envios anuais. A produção de selos também despencou: foram 4,8 bilhões em 2021 contra 1,8 bilhão em 2024, uma redução de 61%, segundo levantamento dos Correios.
Apesar da retração, o gesto de escrever à mão tem ganhado novo significado. Em tempos dominados por mensagens instantâneas e redes sociais, trocar cartas tornou-se um símbolo de afeto e atenção. “Trocar cartas exige tempo e dedicação. Saber que alguém se dispôs a escrever, envelopar e enviar um texto é algo de valor emocional imenso”, explica o psicólogo Thales Coutinho, que associa o hábito à busca por vínculos mais profundos.
Para o sociólogo Luciano Gomes, do Centro Universitário UniArnaldo, há algo de “sagrado” nesse tipo de comunicação. “As cartas preservam memórias e identidades. Foram elas que guardaram pensamentos de grandes personalidades da história. Hoje, elas representam o humano, o afeto e a paciência em um mundo de pressa”, afirma.
Mesmo assim, o especialista reconhece que é impossível retornar ao passado. “O uso cotidiano das cartas é inviável, mas elas migraram para o campo afetivo. Tornaram-se um gesto simbólico e emocional, não uma necessidade prática”, conclui.
Entre os que mantêm o costume, surgiram plataformas digitais que unem tecnologia e nostalgia. Aplicativos como Slowly e Globalpenfriends permitem trocas de mensagens que demoram dias para serem entregues, simulando o tempo real de envio de uma carta física.
Além da escrita, cresce também o valor dos selos raros. Colecionadores chegam a pagar até R$ 1 milhão por exemplares exclusivos. No Brasil, o tradicional “Olho-de-Boi”, de 1843 — um dos selos mais antigos do mundo — é símbolo da história postal nacional. “Os selos contam histórias e refletem a cultura de um país. É um mercado de nicho, mas muito valorizado”, afirma o comerciante Antônio Gilberto Zarelli, proprietário da Moeda e Selo, em Belo Horizonte.
No fim, as cartas e os selos resistem — não mais como instrumentos de comunicação cotidiana, mas como lembranças tangíveis de uma era em que o tempo da palavra era tão valioso quanto o gesto de escrevê-la.
Fonte: O Tempo | Foto: Alex de Jesus