As vacinas contra a Covid-19 aprovadas para aplicação na população são seguras e eficazes para proteger quem as recebe os estudos clínicos realizados com milhares de pessoas, usando públicos diferentes, comprovaram isso e foram a base para a liberação do uso dos imunizantes.
Grupos de cientistas monitoram constantemente os efeitos das substâncias e emitem alertas caso as vacinas ofereçam algum risco.
Por que, então, algumas pessoas morrem com a doença mesmo após as injeções?
Em primeiro lugar, as vacinas não garantem 100% de eficácia contra o coronavírus Sars-CoV-2, como qualquer tratamento de saúde. Conforme aumenta o número de vacinados no país, surgem relatos de pessoas que receberam o imunizante e pegaram a doença logo depois, chegando a desenvolver a Covid-19 na forma grave e até morrendo por complicações da doença.
Um caso que chamou a atenção no início do ano foi o do cantor Agnaldo Timóteo. O artista foi internado com Covid-19 dois dias depois de ter tomado a segunda dose da vacina, o que indica que a infecção pode ter acontecido entre as duas injeções, quando a proteção ainda não está completa. O cantor morreu no dia 3 de abril aos 84 anos de idade.
Para ter efeito no organismo, a substância precisa de pelo menos 15 dias após a segunda dose (no caso das vacinas aplicadas em duas doses) para estabelecer proteção. Mesmo com a imunização completa, a alta circulação do vírus no Brasil e as novas variantes, ainda pouco estudadas, fazem o risco de infecção crescer, apesar das vacinas.
A variante delta, recentemente detectada em São Paulo, consegue escapar da ação de alguns anticorpos que o organismo produz após infecção ou vacinação. O vírus também é capaz de driblar alguns anticorpos monoclonais, proteínas feitas em laboratório para combater o invasor.
É importante lembrar que as vacinas não causam a doença. Elas carregam um antígeno, um pedacinho do vírus ou o vírus inteiro inativado incapaz de gerar infecção que aciona nosso sistema imunológico para criar barreiras contra o vírus verdadeiro. Sintomas como febre e dores após a vacinação são comuns e indicam que o sistema imunológico está trabalhando.
Os estudos contam com milhares de participantes, mas quando começo a aplicar a vacina em milhões de pessoas, vão aparecer aqueles que desenvolvem a doença grave. O que os estudos dizem e o que vemos é que quem recebe a vacina tem um risco menor de adoecer, afirma Sonia Raboni, infectologista do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR/Ebserh).
Pessoas mais velhas e com algumas comorbidades não fazem parte dos primeiros grupos a entrarem nos estudos com as vacinas. Geralmente, são incluídos depois e em menor número. Segundo Raboni, o grupo de pessoas mais velhas, que têm um sistema imune mais debilitado, pode ter respostas mais fracas à vacina.
De acordo com Ethel Maciel, epidemiologista e professora na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), os estudos clínicos são feitos em ambientes mais controlados, com mais adultos saudáveis.
Quando vamos para a vida real, temos pessoas com outras comorbidades e condições. Já esperávamos que essas pessoas poderiam se infectar. E agora precisamos de estudos que acompanhem o que acontece com essas pessoas, afirma.
Maciel diz que ainda há poucos grupos acompanhando os efeitos das vacinas nos brasileiros. Segundo a epidemiologista, o Ministério da Saúde deveria oferecer financiamento para pesquisas que identifiquem as linhagens dos vírus que infectam as pessoas no país e as comorbidades de quem tomou o imunizante e mesmo assim adoeceu. Esse conhecimento vai ajudar a entender onde a vacina pode falhar e elaborar as soluções.
Hoje, temos ainda uma parcela baixa da população brasileira imunizada, e os números da Covid-19 no país mostram que o vírus circula livremente, fazendo mais vítimas do que nunca.
Diante de um universo de dezenas de milhares de novos casos diários e do aumento gradual, ainda que lento, do percentual de indivíduos vacinados, é esperado que ocorra cada vez mais casos de infecção em vacinados, afirma a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em nota publicada em sua página de internet.
Para os especialistas, a vigilância dos cientistas sobre a dinâmica da doença e as medidas preventivas, como uso de máscara, o distanciamento social e a higiene das mãos, devem ser reforçadas agora. As vacinas diminuem o risco, e os estudos mostram que as chances de desenvolver a doença grave depois de tomar o imunizante são bem menores, mas ainda temos poucos dados publicados, diz Maciel.
É incontestável que existe uma lacuna de dados em decorrência da necessidade de aprovar com agilidade as vacinas para a contenção da maior crise sanitária do século. Mas todas as notificações estão sendo acompanhadas e investigadas pela vigilância. Precisamos aguardar a publicação dos dados da avaliação da efetividade das vacinas na vida real e possíveis falhas vacinais, concorda a nota da SBIm.
Em alguns organismos, essa proteção pode nunca ficar completa, por isso é importante ter o maior número de pessoas vacinadas para que a circulação do vírus diminua drasticamente e os riscos sejam menores para todos.
“Temos dois objetivos com as vacinas: primeiro, queremos diminuir os riscos de internação e óbitos. Outro objetivo é diminuir a transmissão, mas ainda não temos certeza se essas vacinas disponíveis fazem isso. Com essa capacidade, poderíamos chegar a uma imunidade coletiva, isto é, com mais pessoas imunizadas, cada vez menos pessoas vão adoecer, diz Maura Salaroli, infectologista e gerente médica da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do Hospital Sírio-Libanês.
Assim, até termos um bom número de pessoas vacinadas no país (alguns pesquisadores dizem que essa parcela precisa estar acima de 70% da população) e pudermos observar claramente os efeitos da campanha, todos os cuidados preventivos devem continuar em vigor.
Nenhuma pandemia da história foi controlada sem isolamento social e quarentenas. Precisamos reduzir o contato entre as pessoas até que as vacinas cheguem à população e tenhamos um bom tratamento contra a doença, diz a infectologista Sonia Raboni, da UFPR.
Agora, a melhor vacina é a que chegar primeiro no braço do cidadão. No futuro, poderemos chegar à conclusão de que uma pode ser melhor do que a outra em alguns casos, mas agora todas são boas para a diminuição dos casos e mortes, diz Salaroli, do Sírio-Libanês.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O que fazer após tomar a primeira dose da vacina?
Aguardar a data da segunda dose mantendo os cuidados como máscara, distanciamento social e higiene das mãos.
O que fazer após receber a segunda dose da vacina?
Manter uso de máscara, distanciamento social e higiene das mãos até que uma boa parcela da população (pelo menos 50%) esteja devidamente imunizada e a circulação do vírus caia drasticamente. Quando isso acontecer, uma retomada mais ampla das atividades pode ser feita lentamente com segurança.
Posso ter Covid-19 após tomar a vacina?
Sim. Os estudos mostram que os vacinados têm muito menos chances de se infectar com o vírus, e quando isso acontece os sintomas são mais leves. Ainda assim, os pesquisadores não descartam casos graves ou mortes, mas esses são casos raros.
Posso transmitir o vírus após tomar a vacina?
Sim. É possível que a pessoa se infecte e tenha uma infecção mais leve ou sem sintomas. Isso indica que a transmissão ainda é possível, mesmo que em uma intensidade menor. Dados não conclusivos indicam que algumas vacinas podem barrar a transmissão em algum nível, o que é um boa notícia, mas ainda precisa ser confirmada.
Se eu não tiver nenhuma reação após tomar a vacina, significa que ela não funcionou?
Não. Cada organismo responde de maneira diferente ao imunizante. Mesmo sem ter efeitos comuns como febre e dores, a vacina pode funcionar.
Posso fazer algum teste para saber se a vacina funcionou?
Não. O teste rápido (sorológico), que mede anticorpos contra o vírus e pode ser comprado em farmácia, ainda fornece resultados muito frágeis. Além disso, nossa resposta imunológica não é formada só por anticorpos, há outras moléculas que nos protegem e que não são detectadas com testes simples, diz Maura Salaroli, infectologista do Hospital Sírio-Libanês.