Transtornos pisicológicos e suicídios são realidade entre alguns servidores da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). O problema ganhou evidência após a escrivã Rafaela Drummond, de 32 anos, se matar em Carandaí, na Zona da Mata mineira e reforça a necessidade de se debater o tema. A situação é grave a nível nacional, já que dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontam que houve aumento de 55% de mortes de policiais no Brasil por suicídio desde 2020.
O adoecimento da corporação e os suicídios dos agentes são acompanhados, com dificuldade, pela Aspra (Associação dos Praças Policias e Bombeiros Militares de Minas Gerais). “O que temos, de fato, é aquilo que a imprensa divulga, como o caso da escrivã. Dados oficiais nós não conseguimos, seja pela PM ou Polícia Civil. É uma caixa preta. Fato é que o adoecimento dos servidores da segurança pública ocorre, e é um problema sério em todo o Brasil”, afirma o presidente da Aspra, subtenente Heder Martins de Oliveira.
A não divulgação de dados relacionados à saúde física e mental dos policiais militares ocorre, segundo a assessoria de imprensa da PMMG, com o “objetivo de preservar e garantir a segurança da sociedade mineira”. Também não é divulgado o número de agentes afastados por questões de saúde.
O aumento em mais de 50% no número de suicídios de policiais acende um alerta, conforme afirmam Maria Augusta de Freitas Francalacci e Michelle Regina da Natividade no artigo intitulado “Saúde mental e suicídio entre policiais militares: um estudo bibliográfico”. As pesquisadoras pontuam que a falta de diálogo sobre o assunto dificulta a prevenção. “Essa discussão sobre o tema talvez fizesse com que muitos sujeitos que tiraram suas próprias vidas pudessem ter tido desfechos diferentes se o tema não fosse silenciado pela sociedade”, ressaltam.
Entre a dor e a descrença
“Eu achava que era uma frescura, mas quando tive, percebi que era algo sério”. O relato é do cabo Sandro Ricardo Braz, de 55 anos, da Polícia Militar de Minas Gerais, diagnosticado com depressão em 2010. A doença psiquiátrica que afetou o emocional do agente de segurança pública o levou ao afastamento da profissão. A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), no entanto, informou a reportagem que “não divulga informações relacionados a saúde física e mental dos seus policiais militares”.
Conforme o militar, foram cerca de quatro anos de tratamento, sendo parte dele realizado de forma isolada, seja pelo medo de encarar a doença ou pela falta de compreensão de familiares, amigos e colegas de trabalho. “A minha vontade era só ficar no escuro, sem comer e sem dormir. As pessoas achavam que eu queria ser paparicado, mas não era isso. A minha vontade era que elas entendessem que aquela era uma dor séria”, relembra.
O quadro clínico do cabo se agravou diante da pressão que era rotineira durante o exercício do ofício. Conforme o policial, eram estabelecidas metas, sem oferecer aos militares condições adequadas para que elas fossem alcançadas. “Colocavam uma série de determinações, obrigações, e você não tinha como resolver. E isso gerava um excesso de cobrança, um tratamento que não era adequado. Havia sim uma falta de respeito, inclusive com algumas prescrições médicas”, detalha.
As exigências, segundo o policial, implicaram em sua exoneração no ano de 2018. “Não importa como, mas vão te cobrar, mesmo sem te dar o direito de se cuidar”, acrescenta.
Para se livrar da doença e poder voltar à atividade policial, o que ocorreu no último ano, em 2022, o militar recorreu à prática esportiva. A rotina foi conciliada entre a sala do consultório de psiquiatria e a academia, onde, além da musculação, praticou aulas de boxe. “Deus e a prática esportiva. Isso foi o que me curou da depressão”, relata o cabo.
De acordo com o militar, a doença e outros problemas de saúde mental ainda são barreiras na instituição. Ele acredita que falta preparação para que os policiais consigam lidar com pressão da atividade e a cobrança que é feita pela sociedade.
Um problema de segurança e saúde pública
O adoecimento dos agentes de segurança, como os policiais civis e militares, é também um problema de saúde pública. Para Jennifer Santos, vice-presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado de Minas Gerais (PSIND-MG), a falta de de psicólogos nas instituições e a cultura da sociedade brasileira, que “ignora” problemas de saúde mental, colaboram para o surgimento de novos casos e a complicação dos quadros clínicos já existentes.
“A sociedade brasileira ainda tem muito a evoluir nesse quesito, de entender que todos precisam de cuidados com a saúde mental, o nosso cérebro é um órgão como os outros do corpo e precisa de atenção”, avalia.
Para a profissional, as constantes mudanças nas relações de trabalho e a pressão social, são fatores que somados à precariedade das instituições colaboram para o adoecimento de policiais. “A própria função do policial já traz uma enorme carga emocional para o profissional. São situações graves e histórias pesadas todos os dias. Caso não consigam elaborar e filtrar, aqueles que exercem funções superiores podem se tornar autoritários, e o ambiente trabalhista pode se tornar adoecedor”, aponta Jennifer, que indica o assédio moral como um dos desafios a ser superado nas relações trabalhistas.
A maior inserção de profissionais de psicologia na instituição é apontada pela especialista como uma das estratégias que podem auxiliar para mudar a realidade atual. Segundo Jennifer Souza, o profissional capacitado com liberdade para exercer sua função, pode identificar fatores de adoecimento psíquico no ambiente do trabalho e propor ações para sua melhoria.
“A psicologia está regularizada no Brasil desde 1962, mas ainda vemos, olhando a pouca quantidade de profissionais e sua sobrecarga, a desvalorização desse saber. Infelizmente a psicologia só tem sido procurada quando as questões já chegaram ao limite, precisamos de prevenção dentro do setor público”, finaliza.
Ações
A Polícia Militar de Minas Gerais garante que desenvolve uma série de ações com o objetivo de cuidar da saúde dos policiais militares da ativa. Os trabalhos são realizados por meio do Programa de Saúde Ocupacional da instituição, o PSOPM. O acompanhamento é feito de forma a “prevenir, identificar e controlar os riscos relacionados à atividade policial militar, através da realização de avaliação de saúde nas áreas médica, odontológica e psicológica”.
Ainda segundo a PM, além destas ações, os militares contam com atendimento psicológico nas Unidades de Atenção Integral à Saúde (UAPS). “A instituição também possui na sua rede orgânica a Clínica de Psiquiatria (CLIPS) em Belo Horizonte, que acolhe e atende aos militares e seus familiares em caráter de urgência ou ambulatorialmente”, acrescenta. Além destes serviços, são oferecidos suporte de uma rede credenciada com atendimentos disponíveis em todo o estado.
As ações adotadas pela PM de Minas são elogiadas pelo presidente da Aspra e fazem com que o Estado, conforme afirma, tenha menos casos quando comparado com outros lugares do país. “Apesar de tudo que passamos, principalmente com a falta de recomposição do efetivo, a PM mineira tem tido um olhar para si e que colabora para não termos casos como em outros Estados”.
O subtenente Heder defende, no entanto, que o poder público tenha um olhar diferenciado com os problemas enfrentados pela corporação. “A instituição é olhada pelos governos, seja o atual ou os anteriores, como se fosse uma máquina. Esperamos pro atividade”, finaliza.
Fonte: O Tempo.