“Ponto final” é o nome do projeto criado pelo 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belo Horizonte para vítimas de agressões. Para muitas participantes, contudo, os encontros online sobre autopercepção e inteligência emocional significam, na verdade, um recomeço.
“Foi muito importante ser ouvida. Ainda mais por uma técnica. Hoje, dou um peso muito diferente às coisas que vêm do meu ex-marido. Dou outro valor. Eu mudei. Esses encontros me ajudaram a perceber o que devo permitir entrar na minha casa. Porque a gente acaba permitindo a ingerência. Hoje, estou mais confiante, mais forte”, comentou uma dessas mulheres, que não quis se identificar.
O objetivo do projeto é justamente este: fazer com que as participantes, ao refletir sobre suas ações e valores, possam assumir decisões assertivas em seus relacionamentos, sua profissão ou saúde. Na terça-feira (5/10), o último encontro foi presencial e marcou as conquistas das seis integrantes. “Mulheres tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, tão iguais”, comentou a participante.
Segundo a facilitadora dos encontros, Cintia Kelly da Cruz Bento, da 4ª Vara de Família de Belo Horizonte, as mulheres reclamavam de não serem ouvidas, não serem respeitadas em suas opiniões. Mas, hoje, estão se posicionando mais, falando o que realmente querem para elas próprias, os companheiros e a família. “Isso é uma grande conquista. Elas sofrem violência psicológica, muita pressão. Alguns companheiros usam terceiros para tentar convencê-las a desistir dos pedidos de medidas protetivas. E, hoje, elas têm uma outra visão de si mesmas para se reerguerem. Elas não se calam”, comentou Cíntia.
Emancipação
“Eu percebi que o projeto ajudou as mulheres envolvidas no ciclo de violência a se emanciparem e enxergarem uma saída. Nesse encerramento, nós ouvimos relatos gravíssimos, mas todas se identificaram com a proposta do projeto e se sentiram engrandecidas. É um projeto aparentemente singelo, mas que ajuda no resgate para sair desse ciclo. Oferece opções”, afirmou a desembargadora Paula Cunha, que representou a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv).
De acordo com a juíza do 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar e integrante da Comsiv, Roberta Chaves Soares, a média diária de casos novos recebidos pela equipe de cada um dos quatros juizados especializados é de oito pedidos de medidas protetivas, para o público feminino ou com essa identidade de gênero. “É um número assustador. Mesmo com a concessão de medidas diariamente, a violência contra a mulher não para de crescer, e isso demonstra que precisamos atuar de outras formas para mudar essa triste realidade e assistir melhor as vítimas”.
Participação
A participação é voluntária. A juíza explica, no entanto, que é feita uma seleção de perfis a partir da análise da situação emocional de cada solicitante. “Algumas estão tão fragilizadas que não demonstram condições psicológicas de se expressarem ou de serem ouvidas em grupo, situação que exige, primeiro, um tratamento mais individualizado”.
Os encontros são realizados com mulheres que possuam processos tramitando no 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belo Horizonte; mas, de acordo com a magistrada, a ideia é atender a todos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar da capital.
Ela diz não acompanhar as atividades, para resguardar a imparcialidade nos julgamentos. Mas, na abertura de cada encontro, recebe as vítimas e, caso entenda ser conveniente, indica outras profissionais para falar com elas.
Cíntia lembra que, nos encontros, as mulheres são acolhidas, ouvidas, trocam experiências, se fortalecem. “Eu vejo que essas mulheres precisam de apoio, de alguém a quem recorrer, para saírem daquela dependência emocional”, analisou. A análise não é apenas da instrutora, mas também da Cintia graduada em Direito, analista de perfil comportamental, com título de master coach Integral Sistêmico pela Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (Febracis). Acima de tudo, porém, é a análise de uma mulher, vítima de um relacionamento abusivo, que conseguiu pôr um ponto final nas humilhações ao receber o devido apoio.