quinta-feira, 28 de março de 2024

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Artista de circo vende vassouras para driblar a fome na pandemia

Por Dentro De Tudo:

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“Esta é a pior fase que estou vivendo. O dinheiro que ganho é só para a mistura mesmo”. Esse é o desabafo do artista de circo Davy Velasquez, de 21 anos, que nasceu e cresceu em meio aos picadeiros. O acrobata, que antes da pandemia trabalhava se equilibrando entre as curvas do globo da morte, agora faz malabarismo para sobreviver e vende vassouras de porta em porta para pagar as contas. 

Davy, que nasceu na Argentina, chegou a Belo Horizonte com a família em março de 2020, após aceitar o convite de outros artistas circenses que se apresentavam na cidade. No entanto, com o avanço da pandemia e as restrições para conter o coronavírus, foi necessário “baixar a lona”. Morando em um trailer estacionado num campo de várzea no bairro Milionários, no Barreiro, a solução encontrada por ele e pela família para sobreviver foi vender vassouras.

De domingo a domingo, sempre às 9h, Davy e o pai saem de casa para trabalhar. Eles vão em uma caminhonete que, antes da pandemia, era usada para puxar o trailer onde o acrobata vive. Com o orçamento apertado, o veículo que hoje ajuda a garantir o sustento da família também é motivo de preocupação. “Eu comprei (a caminhonete) em 2019. Estava contando com o dinheiro do circo para pagar e veio a pandemia. Eu até consegui ligar para o banco e adiar uns pagamentos, mas em junho os boletos voltam e eu não tenho noção de como vou pagar. Ainda faltam 32 prestações”, conta Velasquez. 

Caminhão emprestado

O pai, a mãe e a irmã de Davy, de 9 anos, moram em um caminhão emprestado, que fica no mesmo terreno onde o trailer está, no bairro Milionários. O motorhome da família, um tipo de ônibus adaptado para moradia, estragou quando eles estavam na cidade de Lobato, no Paraná. 

“Acabamos tendo que deixá-lo lá porque não temos dinheiro para o conserto”. Velasquez conta que a família passou pela cidade do Sul em meados de março de 2020, no início da pandemia. “Fomos para lá na tentativa de conseguir trabalho. Como a cidade era muito pequena, vimos que seria difícil ganhar algum dinheiro e viemos para Belo Horizonte. É uma cidade maior, com chance de trabalho, e também tinha um circo que nos ofereceu ajuda”, explica. 

Além de pagar a caminhonete usada para o trabalho, e manter a comida no prato da família, o artista diz que é com a comercialização das vassouras que ele e o pai tentam terminar de pagar um imóvel que a família comprou em Penha, no Estado de Santa Catarina. “A prestação do terreno eu não consegui adiar como fiz com o carro, e não sei como vou fazer para pagar. Já tinha adiado no ano passado (2020). Estamos trabalhando para não atrasar essas nossas duas dívidas principais. Eles falam: ‘fique em casa, fique em casa’. Mas, as contas não param de chegar”, desabafa o artista.

Na rua, apesar do medo

Na luta pela sobrevivência, o artista conta que, mesmo tendo consciência da importância da medida, não consegue seguir a orientação sanitária para manter o isolamento social. “Ou você fica em casa, as contas chegam e você fica sem comida. Ou você vai para a rua, se arrisca e consegue comida. Eu prefiro me arriscar”, diz. 

“O grande problema é que eu vejo muita gente circulando sem máscara. Algumas até compram comigo. Eu não posso falar nada, para evitar problemas. Mas, fico com medo. Uso máscara, álcool em gel e tomo os cuidados. Preciso trabalhar”, completa. 

“Em Belo Horizonte e em tudo quanto é cidade que fica até 100 km daqui eu rodo vendendo as vassouras: Sete Lagoas, Nova Lima, Sabará, Caeté”, explica. 

As vendas garantem a Davy e seus familiares cerca de R$ 1.100 por mês. “Outro dia eu consegui fazer só R$ 30. Graças a Deus nunca voltei sem vender nada, mas o que estamos ganhando é pouco”. Antes da pandemia, o artista conta que a renda familiar era de aproximadamente R$ 5.000, tudo com o trabalho no circo.

Davy diz que conta com a ajuda dos vizinhos para manter a comida no prato. A alimentação completa só é garantida graças a doações feitas pela comunidade. “O pessoal do bairro (Milionários) ajuda muito. Eles trazem cestas básicas, leite. Aí, o pouco que ganhamos dá para comprar a mistura (itens como carne e ovos). Antes da pandemia, se eu tinha vontade de comer sanduíche eu saía para comprar, agora não consigo mais. Não sobra dinheiro”, relata o artista. 

Na tentativa de conseguir renda extra, além da venda das vassouras, o circense diz que aceita outros trabalhos – quando aparecem. “Trabalhei outro dia com locução em uma loja. Teve uma vez que me pintei de palhaço e saí vendendo bolas. Qualquer coisa de trabalho que aparecer, eu estou fazendo”, conta.

Auxílio Emergencial

A situação da família de Davy ficou ainda mais complicada em 2021, sem o Auxílio Emergencial pago pelo governo. Ele e a mãe receberam o benefício no passado. “Com o dinheiro conseguimos pagar as contas. Para fazer muita coisa não dava, mas já era bem melhor do que o que estamos passando agora”, diz.

A esperança da família do circo é que pelo menos um deles receba a nova rodada do benefício, que começou a ser paga em abril deste ano. O atual pagamento será feito em quatro vezes, com parcelas de R$ 150 a R$ 375, dependendo da família. “Nessa nova rodada não sei se vou ter direito. Estou na espera da data para eu ter uma noção de como vai ser”, conta.

Esperança, só em 2022

Para 2021, a expectativa do artista é manter as contas em dia e a comida no prato. “Eu me agarro à possibilidade de voltar a apresentar, pelo menos no ano que vem. Este ano eu não tenho mais esperança. Eu quero voltar a trabalhar no circo e ver o que mais gosto: o sorriso no rosto de uma criança, dos adultos. Não vejo a hora de voltar”.

Enquanto o ‘novo normal’ não chega, o acrobata e a família mantêm os treinos e conciliam os horários com a venda das vassouras. “Eu saio para vender todas as manhãs. Volto para casa, almoço e treino. Preciso me exercitar para quando os circos voltarem eu estar pronto. No dia que aperta mais ou que não consigo vender nada na parte da manhã, aí eu não posso nem treinar. Volto para a rua com as vassouras”, conta.

O trabalho do artista pode ser visto no Instagram @davy.velasquez

Fonte: O Tempo.

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