Hoje podem até tentar vender a ideia de que os Jeep são símbolos de conectividade ou de um estilo de vida aventureiro. Mas o Jeep original nasceu para ser uma ferramenta pelas mãos de uma empresa desconhecida.
Com a início da Segunda Guerra Mundial, o exército norte-americano passou a fornecer armamento aos aliados, mas o Reino Unido e a União Soviética, em especial, demandavam veículos leves.
Os EUA, então, abriram uma concorrência para comprar veículos, desde que cumprissem algumas regras: pesar menos de 545 kg, ter para-brisa dobrável para caber em caixas de transporte – de forma que houvesse espaço para os quatro pneus na caixa –, 2,03 m de entre-eixos e pelo menos 45 cv.
O primeiro protótipo deveria ficar pronto em 49 dias e após 75 dias, 70 unidades deveriam estar prontas para testes. Inicialmente, só a American Bantam, que vivia de produzir carros da British Austin sob licença, e a Willys-Overland entraram na disputa pelo contrato. A Ford entrou na jogada depois.
A Willys cobrou menos, mas foi penalizada por pedir mais tempo. A Bantam cumpriu os prazos e ganhou o contrato, mas não tinha condições de atender a demanda do exército. Enquanto seu Bantam Reconnaissance Car (BRC) era testado, Ford e Willys (agora encorajadas a concluir seus projetos) poderiam estudar o BRC.
Cinco meses despois do início da disputa, Ford e Willys apresentaram carros similares. Eram os embriões do Ford GP e do Willys MB, que seriam produzidos em série. Com o desespero de França, Rússia e Reino Unido por veículos, os militares americanos declararam que os três eram aptos ao fim de 1940.
No uso, porém, os carros pré-produção mostravam qualidades e defeitos. Os Ford tinham motor fraco e frágil, e os Bantam eram econômicos, confortáveis e ágeis, mas a empresa não conseguia fazer 75 carros por dia. Os Willys eram mais leves (o limite já havia aumentado para 980 kg), baratos e potentes, com seu motor de 60 cv.
Em julho de 1941 o Departamento de Defesa dos EUA decidiu padronizar os carros e escolher apenas um fabricante, defendendo que o projeto não pertencia a nenhuma das empresas. A Bantam, sem dinheiro, não recorreu.
O que era melhor nos Bantam e nos Ford, foi incorporado ao Willys. O capô mais largo e plano, e a grade com nove aberturas verticais, por exemplo, nasceram nos Ford. Desta forma, surgia o Willys MB, com um contrato de fornecimento assinado em 15 de julho de 1941, há exatamente 80 anos. Foi o primeiro 4×4 com produção em larga escala.
O primeiro Jeep também seria produzido pela Ford, dada sua grande capacidade produtiva. E a Bantam, que concebeu a base do projeto, ficou encarregada de fazer os trailers que seriam puxados pelos carros.
Da guerra para o uso civil
Com a rendição da Alemanha, a guerra estava concentrada na Ásia em 17 de julho de 1945, quando a nascia o primeiro Jeep destinado ao uso civil: o CJ-2A – CJ de “Civilian Jeep”. Tinha porta traseira (que fez o estepe ser deslocado para lateral), tampa de combustível externa e faróis maiores, que obrigaram a grade a ser reduzida às sete barras que identificam os Jeep até hoje.
Não era carro de passeio: seu público-alvo era composto por agricultores e trabalhadores da construção civil. Isso porque o motor tinha tomadas de força que poderiam ser usadas para o uso de implementos agrícolas. Era praticamente um trator validado na guerra.
E foi justamente a guerra que tornou essa robustez reconhecida no mundo inteiro. Não surpreende, portanto, que ainda nos anos 1940 o Jeep tenha passado a ser fabricado também na Austrália e no México sob licença, e que nos 20 anos seguintes suas variações tenham sido montadas ou fabricadas em mais de 30 países, chegando a 150 mercados.
A Mitsubishi, por exemplo, fabricou mais de 30 variações diferentes no Japão entre 1953 e 1998 e a grande maioria dos licenciados eram baseados no CJ-3B, do projeto Willys-Kaiser original. Tamanho sucesso, porém, inspirou muitos rivais e foi responsável pela criação e fortalecimento de outros fabricantes ao redor do mundo.
Da guerra ao Toyota Bandeirante
O Toyota Land Cruiser conseguiu estabelecer seu nome globalmente, ainda que no Brasil o nome Bandeirante tenha sido certeiro para torná-lo popular. Foi ele o primeiro clone no Jeep.
O Exército Imperial Japonês capturou um Jeep militar nas Filipinas em 1941. O carro foi enviado ao Japão para ser estudado e o governo local encarregou a Toyota de construir um veículo com tração nas quatro rodas e capota aberta baseada naquele projeto, que seria conhecido como Toyota AK10.
O veículo teve uso restrito aos tempos de guerra, mas preparou a Toyota para, mais tarde, ser contratada pelo governo dos EUA para lhe fornecer veículos militares para uso na Guerra da Coreia. A Toyota atendeu o pedido com sua própria versão maior e mais potente do Jeep, o icônico Land Cruiser FJ40 que não é exatamente igual, mas muito parecido com nosso Bandeirante, lançado em 1959.
Por sinal, a produção começou por CKD, montando no Brasil o Toyota FJ25 japonês. O Brasil recebeu a primeira fábrica da Toyota fora do Japão, em São Bernardo do Campo (SP).
Do Jeep ao Land Rover Defender
Sentindo a necessidade do Reino Unido pós-guerra por um implemento agrícola que também pudesse ser usado carro de passageiros, o diretor técnico da Rover, Maurice Wilks, esboçou um veículo quadradão inspirado em um Jeep sobrevivente que ele usava em sua fazenda no País de Gales, e que já carecia de peças de reposição.
A inspiração nos Jeep militares era tão grande que o primeiro protótipo, apelidado de “Centre Steer” (volante central), até usou chassi e eixos do Jeep original. Como no modelo americano, o para-brisa era rebatível para a frente.
Para iniciar a produção em série em 1948, porém, a Rover precisou se adaptar às condições do pós-guerra. Como o aço estava racionado na Europa, o Land Rover era feito com alumínio e magnésio usados na aviação e a grande maioria das primeiras unidades saíram da fábrica em vários tons de verde militar, uma tinta que havia sido comprada para pintar aeronaves.
O Land Rover Série I tinha motor Rover de 1,6 litro produzia modestos 50 cv e 11 kgfm, mas ajudou a colocar os fazendeiros britânicos de volta na estrada e foi providencial para encher os cofres da Rover.