Uma doença silenciosa, que pode evoluir com complicações graves, comprometendo a qualidade de vida dos pacientes, que podem levar anos sem um diagnóstico correto. É a doença falciforme, que acomete uma em cada mil crianças nascidas vivas no Brasil.
Para conscientizar a população sobre o assunto, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou uma audiência pública nesta sexta-feira (16/6/23). O Dia Mundial da Conscientização sobre a Doença Falciforme é lembrado anualmente em 19 de junho.
A doença falciforme é o distúrbio genético mais frequente no Brasil e no mundo, segundo a enfermeira Adriana Drumond, que trabalha na Hemominas. Trata-se de uma mutação nas hemácias, células responsáveis pelo transporte de oxigênio no sangue. Elas adquirem a forma de uma foice, o que compromete a oxigenação do sangue.
Os pacientes sofrem com crises de dor, fadiga, fraqueza, palidez, déficit cognitivo, lesões de pele, complicações renais e pulmonares. A doença também pode provocar infarto, AVC e priapismo (ereção involuntária). Além disso, pode reduzir a expectativa de vida dos pacientes em até 20 anos.
“É uma doença sistêmica e complexa, que pode ser devastadora quando não é tratada adequadamente.”
Adriana Drumond
Enfermeira na Hemominas
De acordo com ela, todos os anos nascem 3 mil crianças com doença falciforme em todo o Brasil. Desde 2005, ela é diagnosticada por meio do teste do pezinho em recém-nascidos.
A Hemominas atende quase 8 mil pacientes com a doença em suas 11 unidades espalhadas por todo o Estado. O tratamento envolve transfusões de sangue a cada 15 dias. Os pacientes que se adaptam à hidroxiureia, um medicamento quimioterápico, podem levar uma vida quase normal. Transplantes e terapia gênica também são considerados alternativas de tratamento.
O tratamento adequado exige equipes multidisciplinares. “Os profissionais de saúde precisam de conhecimento para atender os pacientes com respeito”, afirmou Adriana Drumond. Segundo ela, as pessoas com doença falciforme também precisam de hidratação, alimentação de qualidade, atividade física e vacinas especiais, por isso, é importante conscientizá-las sobre o autocuidado.
População negra fica sem assistência
O problema é que nem todos os pacientes têm acesso ao tratamento correto e às condições adequadas de alimentação e cuidado. Segundo a presidente da Associação das Pessoas com Doença Falciforme (Dreminas), Maria Zenó Soares da Silva, 95% das pessoas com a doença são negras e não recebem a devida atenção do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A ausência de políticas públicas tem nome e sobrenome: racismo estrutural”, afirmou. Maria Zenó contou sua história de vida, marcada por crises de dor que só podem ser aliviadas com morfina. Ela reclamou da falta de profissionais de saúde capacitados para entender essa dor e prescrever o tratamento correto.
Maria Zenó já foi chamada até de “viciada em morfina” por médicos despreparados, quando buscou atendimento de urgência. Diagnosticada com doença falciforme aos 29 anos, ela disse que sofreu com a incompreensão de sua própria família, que não acreditava na dor que ela estava sentindo.
“A dor é como se fosse um trator passando por cima dos ossos.”
Maria Zenó Soares
Presidente da Associação das Pessoas com Doença Falciforme
À frente da Dreminas, ela ajuda pessoas que abandonam o tratamento porque não têm dinheiro para comer antes de se submeterem às transfusões de sangue. Como a doença falciforme não está no rol das enfermidades que asseguram o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), muitas famílias sobrevivem apenas com o Bolsa Família, segundo Maria Zenó.
A presidente da Dreminas também reclamou do fim do plantão telefônico da Hemominas, que auxiliava médicos com diagnóstico e tratamento da doença. Ela cobrou ainda políticas públicas transversais, que contemplem assistência social e educação, uma vez que muitos pacientes vivem em condições miseráveis e abandonam a escola devido às constantes internações.
Doação de sangue é essencial para o tratamento da doença falciforme
Os desafios para o enfrentamento da enfermidade foram debatidos no Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, neste 19 de junho.
Rádio Assembleia
Embora a situação de muitos pacientes seja difícil, alguns conseguem levar uma vida normal, graças ao tratamento com hidroxiureia. É o caso do menino Daniel, de dez anos. “Ele é uma criança feliz, saudável e tem consciência da importância de doar sangue”, afirmou o pai do menino, o biólogo Eber Eustáquio Cassimiro.
Deputada vai cobrar providências
A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), lamentou a ausência de políticas públicas para as pessoas com doença falciforme, que em sua maioria são negras. Para ela, trata-se de um problema de invisibilidade e de racismo estrutural.
A parlamentar destacou a importância do trabalho realizado por entidades assistenciais e disse que é preciso conscientizar a população sobre a doença, uma vez que os pacientes dependem de constantes transfusões de sangue.
Após ouvir os relatos apresentados na reunião, ela disse que vai pedir providências à Secretaria de Estado de Saúde, para que seja elaborado um protocolo de atendimento médico. Ela também disse que vai solicitar que a hidroxiureia seja fornecida diretamente pela Hemominas, como forma de desburocratizar o acesso a esse medicamento.
Fonte: ALMG.