quarta-feira, 1 de maio de 2024

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Entre 100 e 200 cidades mineiras não têm biblioteca pública

Por Dentro De Tudo:

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Um verdadeiro deserto de leitura propaga-se por vários cantos de Minas Gerais. Na terra de monumentos da escrita, como Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Adélia Prado e Ziraldo, dezenas de cidades não possuem uma biblioteca pública sequer. O cenário é tão desconhecido que nem mesmo o governo estadual sabe o número exato. A estimativa é que de 100 a 200 municípios mineiros não tenham nenhum espaço público aberto para a prática de consulta, estudos ou leitura gratuita.

São Sebastião do Anta, na região do Rio Doce, é uma delas. Na cidade com cerca de 6.500 habitantes, a biblioteca pública foi fechada em 2011, e o imóvel atualmente abriga uma pizzaria. A gestão atual da prefeitura se defende, dizendo que o encerramento do local foi decisão tomada por gestão anterior. No entanto, não há planos de se abrir nenhuma biblioteca por ali. “Não tivemos essa demanda (da população)”, justifica o secretário de Educação Edson Caetano. Ele acredita que a biblioteca fechou por “falta de interesse das pessoas”.

Na mesma região, o município de São José da Safira é outro lugar onde a formação de novos leitores não parece ser prioridade para o poder público. O secretário de Educação afirma que a ausência de uma biblioteca pública ocorre porque a cidade é pequena, com apenas 3.000 moradores. “O município não tem muita visibilidade no repasse de verbas estaduais”, diz Enilson Nunes. 

Especialistas, no entanto, discordam. Seja em cidades pequenas, médias ou grandes, a existência de uma biblioteca deveria ser tratada como prioridade. Segundo eles, uma biblioteca pública precisa existir exatamente para nutrir na população a vontade de frequentar o local. 

“Nossa maior tragédia é que as bibliotecas não existem no Brasil”, avalia Marília Paiva. Ela é professora do curso de biblioteconomia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia da 6ª Região. O problema torna-se ainda maior ao se analisar a qualidade das bibliotecas, onde elas existem. É comum espaços com acervos defasados, empoeirados, sem atrativos e sem recursos financeiros. “Às vezes, o que eles chamam de biblioteca é uma casa cheia de livros velhos com uma pessoa sem a mínima qualificação”, critica Marília. Ter livros que abordem temas atuais e obras que viraram filme na Netflix, por exemplo, são formas eficazes de atrair a atenção da juventude.

A desatenção de alguns prefeitos costuma ser outro empecilho. “A ignorância dos gestores é nosso maior limitador”, diz Marília, que já foi procurada diversas vezes por moradores quando alguma prefeitura anuncia o fechamento da biblioteca pública. A mobilização da população pode ser um dos remédios contra a morte dos locais de leitura. Foi assim em 2019, quando moradores de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, protestaram ao saberem que a prefeitura iria fechar a biblioteca municipal Dona Sinhazinha Caldas. Após atos do movimento SOS Biblioteca, o então prefeito voltou atrás.

Delivery de livros é opção para estimular a leitura

Apesar desse cenário negativo, algumas iniciativas inspiradoras ocorrem no interior. Em Andrelândia, na Zona da Mata mineira, a biblioteca municipal Lêda Rodrigues Silva implementou serviço delivery de livros durante a pandemia e ampliou fortemente sua presença nas mídias sociais. 

A biblioteca Luiz Balbino, em Entre Rios de Minas, na região Central do Estado, também reforçou o conteúdo nas redes e promoveu contação de casos. 

Cestas básicas com livros foram doadas a crianças pela Associação de Amigos da Bibliotecas Comunitárias de Belo Horizonte, em parceria com a Editora Lê e Comunidade Viva sem Fome.

Alimentos também foram entregues à população pelo Clube Literário Tamboril, de Pirapora, que lançou publicações independentes de autores da região.

Falta de investimentos gera defasagem

O efeito pandemia é outro artifício usado por gestores para tapear a falta de investimento. A professora de biblioteconomia da UFMG Marília Paiva explica que várias bibliotecas fecharam durante o período de distanciamento social e nem propuseram atividade nos meios digitais, perdendo os laços com a comunidade. Para ela, são lugares que não se reinventaram.

Mesmo onde os espaços de leitura existem, muitos se tornaram defasados devido à falta de investimentos. “São lugares sujos e precários, que não compram livros. Se fechar, ninguém nota. Nem é uma biblioteca de verdade”, opina Marília.

A falta de informações exatas é uma barreira no monitoramento do setor. O trabalho é feito pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, da Secretaria Estadual de Cultura e Turismo (Secult). O recadastramento é feito a cada quatro anos, e o próximo será em 2022. Ao todo, 201 cidades não enviaram informações em 2018 – o dobro do levantamento anterior

A Secult informou que prevê destinar R$ 50 mil para 70 bibliotecas públicas realizarem melhorias estruturais. A iniciativa está contemplada no edital Requalifica Minas. A criação de novas bibliotecas era atendida em anos anteriores com edital próprio, mas a Secult não tem previsão para nova edição do mecanismo.

Desde 2018, encontra-se parada no Executivo uma proposta para criação do Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. A Secult informou que o documento está em fase de elaboração.

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