A última meia hora de “O Sequestro do Voo 375” é de tirar o chapéu. A partir do momento é que o comandante Murilo parte para uma solução ousada, após ver o avião ser sequestrado no trajeto entre os aeroportos de Confins e Galeão, no Rio de Janeiro, o filme de Marcus Baldini, em cartaz nos cinemas, ganha tônus, envolvendo o espectador num eficiente thriller de ação e suspense.
Em meio ao sobe e desce (no sentido figurado e literal, é bom dizer) das tomadas de decisão sobre como evitar que um desempregado nordestino jogue o avião no Palácio do Planalto, morada do então presidente José Sarney, em 1988, há espaço ainda para uma certa cumplicidade entre Murilo e sequestrador, vistos como vítimas do sistema.
É uma pena que esses bons momentos se concentrem na segunda metade do filme, que demora muito a alçar voo devido a algumas opções do roteiro, que não consegue fazer o público simpatizar com o comandante logo de início. Praticamente não há nenhum elemento que nos faça identificar com o personagem, que parece estar no piloto automático.
O espectador só consegue se envolver com Murilo ao sacolejar na turbulência. Normalmente, em filmes que têm aviões como cenário principal, há sempre um ingrediente que distingue o protagonista, algo que o colocará à prova – no caso do comandante da Vasp, não seria nada demais enfatizar o fato de ser aquele o primeiro voo após um período de suspensão.
Murilo foi punido por ter enfrentado os seus patrões, exigindo melhores condições para a sua classe. É ou não é o perfil de alguém destemido? Ele se encaixa ao tipo heróico exigido por esse tipo de filme, como veremos ao final, quando as suas verdadeiras aspirações como aviador vêm à tona, tomando atitudes corajosas que a história nunca reconheceu.
Outro obstáculo é a forma desidratada como dá evidência aos demais personagens, perdendo de vista a potência dramática, por exemplo, da controladora de voo Luzia, o que faz de “O Sequestro do Voo 375” uma versão diet de “Aeroporto”. Na clássica franquia da década de 70 há uma narrativa coral, com várias histórias pessoais que se entrelaçam.
Luiza é uma personagem forte. Quando ela está em cena, a trama ganha relevância, ‘gritando’ a todo momento por seu protagonismo. É tão heroína quanto Murilo, fazendo em terra o que o piloto buscou no ar, indo contra as normas padrões. Merecia também aparecer já nas primeiras cenas, criando uma conexão entre ela, o piloto e Nonato, o sequestrador.
Não seria nada demais termos esses momentos divididos com o gabinete do ministro de Sarney, por onde também a narrativa passa em alguns momentos, enfrentando um representante das Forças Armadas que claramente defende o abate da aeronave, a despeito das dezenas de passageiros a bordo. Uma tensão que também poderia ser melhor explorada.
No lugar de uma apresentação em off que explica a situação política e econômica do Brasil durante o primeiro governo pós-ditadura, essa instabilidade seria melhor aproveitada se alocada para um personagem ou gabinete de governo. Assim nos pouparia de certa caricatura que o filme tinge a classe política do país.
O filme até parece querer dizer algo sobre o universo político, mas é tão frágil que não se sustenta ao final, justamente pelo humor jocoso que oferece a personagens “superiores”, em especial o capitão do Cindacta e o policial federal. Eles podem até, em certo sentido, terem alguma ligação com os personagens reais, mas não funcionam como ficção.
Não há qualquer dramaticidade quando Luzia enfrenta o seu superior num momento capital de “O Sequestro do Voo 375”, tornando bastante insosso esse núcleo do filme, assim como o do poder em Brasília. Assim, como retrato fiel de uma história marcante da aviação brasileira, o longa chega ao seu destino. Mas falta combustível para algo maior.
Fonte: O Tempo.