Nada está resolvido. O surgimento da variante Ômicron impõe a necessidade imediata de retomada de medidas restritivas em várias partes do mundo e mostra que a pandemia ainda está longe do fim. Para os infectologistas, é hora de conter qualquer euforia, recuar nos planos de abertura e converter os grupos antivacina, que comprometem a imunização coletiva e favorecem a propagação desenfreada do vírus. Imprescindível também é a distribuição urgente de vacinas em regiões pobres. Pelo menos dez países europeus já registraram a presença da nova variante, detectada na África do Sul em meados de novembro, e persistem as dúvidas sobre a eficácia dos imunizantes disponíveis para combatê-la. No Brasil, três viajantes originários de países africanos que desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos testaram positivo para a Ômicron, até quarta-feira, 1. Os laboratórios informaram que estão avançando nos esforços de adaptar a vacina à nova variante, e, de um modo geral, o que se percebe neste momento é que apesar da alta virulência, os sintomas da doença tendem a ser mais leves e a letalidade, menor.
Apesar disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a nova cepa extremamente perigosa, por causa de suas mutações, e suas consequências podem ser graves em lugares onde a vacinação está mais lenta. Em um apelo às autoridades de saúde de todo o mundo, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, pediu que os países acelerem a imunização de grupos vulneráveis. “Ainda temos um longo caminho a percorrer juntos. Mas na prática 80% das vacinas foram para os 20 países mais ricos e os de baixa renda, a maioria da África, só receberam 0,6% do total”, disse Adhanom. Há uma preocupação específica com o continente africano, onde a cobertura vacinal atinge menos de 7% da população. Na África do Sul, essa cobertura é de 24%. O sul do continente está sendo duramente afetado pela propagação da nova cepa infecciosa, com um impressionante aumento de contágios que não tem sido acompanhado de casos graves e mortes. O governo chinês anunciou a doação de um bilhão de doses de vacinas para os países africanos.
“O surgimento da variante Ômicron é resultado de uma combinação de erros na administração da pandemia, em âmbito mundial”, afirma o infectologista Júlio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo o médico, os equívocos aconteceram principalmente no acesso aos imunizantes, já que 70% das vacinas foram direcionadas a apenas dez países.Houve também vários problemas de comunicação. Casos como os de Donald Trump, ex-presidente dos EUA, e de seu colega brasileiro Jair Bolsonaro, que são useiros e vezeiros em propagar notícias falsas quando o assunto é a Covid-19, reforçaram posturas negacionistas ao redor do mundo e deram força aos movimentos antivacina na América do Norte e na Europa. “O acesso as vacina é um dos principais erros na condução da pandemia”, diz Croda. Ele entende que além de acelerar a vacinação, as nações devem reforçar as medidas de proteção não farmacológicas, como o distanciamento social.
A Ômicron é a quinta variante de importância epidemiológica do novo coronavírus classificada pela OMS. É a cepa com a maior quantidade de mutações descoberta até agora, são mais de 50 alterações, sendo 30 delas relacionadas à proteína Spike, que é a parte do vírus que permite sua entrada na célula humana.
O surgimento do Ômicron trouxe ainda mais dramaticidade para a quarta onda na Europa, onde, com a chegada do inverno, o coronavírus ganha força. Na Alemanha, país que já soma 102 mil mortes pela Covid-19, atingiu-se um recorde de internações e óbitos nos últimos dias. Em Portugal, considerado um exemplo no combate à doença, foi decretado estado de calamidade depois que foram detectados 14 casos da variante Ômicron. A medida acarretou aumento do controle das fronteiras e dos aeroportos e a exigência de teste negativo para entrar em casas noturnas. Diversos países asiáticos, como Japão e Hong Kong, anunciaram o aumento das restrições aos viajantes. Os Estados Unidos, assim como a Austrália, também endureceram o controle de viajantes e ampliaram seu programa de doses de reforços para os adultos. A variante já foi detectada em 24 países.
A chegada da Ômicron fez acender o alerta máximo no Brasil. Centenas de brasileiros estão retidos na África do Sul, impossibilitados de retornar ao País. Em São Paulo, onde se previa a liberação do uso de máscaras a partir do próximo dia 11, o governador João Doria pediu um novo parecer técnico ao Comitê Científico do estado e decidiu manter a exigência. Também foram vetadas as festas de Reveillón. Metade das capitais brasileiras já descartaram eventos de grande porte no fim do ano. O cancelamento também deve ser o destino do Carnaval. Setenta cidades do interior paulista informaram que não haverá folia em 2022. Blocos carnavalescos do Rio adiaram a confirmação dos desfiles para janeiro. Em nota, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) manifestou extrema preocupação com a possibilidade de flexibilização das medidas de prevenção em São Paulo. Apesar dos riscos evidentes, o ministro da Justiça, Anderson Torres, descartou a exigência do certificado de vacinação para a entrada de viajantes estrangeiros no Brasil.
No Brasil, a flexibilização do uso de máscaras ao ar livre está sendo adiada e festas públicas de Réveillon e Carnaval, canceladas
Ainda é cedo para determinar precisamente o potencial infeccioso e letal da Ômicron, mas a nova cepa é classificada como uma variante de preocupação. Até o momento, os dados apontam que ela apresenta mais de 50 mutações, sendo que 30 delas estão diretamente relacionadas à proteína Spike, a porção do vírus que permite sua entrada na célula humana. Como aconteceu com a variante Delta, acredita-se que a Ômicron possa ser mais infectante. O consolo é que o alvo das vacinas contra a Covid-19 é precisamente a Spike. “Os anticorpos neutralizantes produzidos pelas vacinas reconhecem este fragmento do vírus”, afirma Luiz Carlos Dias, professor titular do Instituto de Química da Unicamp. O especialista diz que os imunizantes foram desenvolvidos a partir do vírus original, de Wuhan, e funcionaram contra as mutações até agora. “Além disso, todas as vacinas podem ser atualizadas, se necessário”, afirma. “Vamos precisar de algum tempo para compreender o nível de transmissão e a virulência da variante”. Mas o medo já está instalado.