O projeto de novo Código Eleitoral, com votação marcada para a próxima quinta-feira na Câmara dos Deputados, prevê a derrubada de um dos principais trechos da Lei da Ficha Limpa: o que torna inelegível o político que renuncia ao mandato para evitar a cassação. Pela regra atual, um parlamentar fica impedido de se candidatar a cargos eletivos por oito anos a partir do momento em que o Conselho de Ética recomenda a sua cassação, ou seja, antes mesmo de o caso chegar ao plenário da Casa Legislativa em que tramita.
No texto que será apreciado pelos deputados, esse tópico foi suprimido, abrindo a possibilidade de que parlamentares possam renunciar para concorrer nas eleições seguintes sem qualquer impedimento legal. Antes de a Lei da Ficha Limpa entrar em vigor, o artifício da renúncia para evitar inelegibilidade foi usado por políticos como Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), Jader Barbalho (MDB-PA), Valdemar Costa Neto (PL-SP), Severino Cavalcanti (PP-PE), Joaquim Roriz (PMDB-DF) e Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB).
Indagada pelo GLOBO, a relatora do novo Código Eleitoral, Margarete Coelho (PP-PI), defendeu a mudança. Ela afirmou que, atualmente, políticos sofrem punições dobradas.
— A renúncia é um ato que obedece ao juízo de conveniência política, de foro íntimo, e não pode servir de critério objetivo para declaração de inelegibilidade. Quem tem contra si uma representação está longe de ser considerado culpado pela Justiça, mas deve prestar contas aos seus eleitores, hipótese em que a renúncia é uma opção — disse a deputada.
Margarete afirmou ainda que há casos em que o investigado renuncia a seu mandato e depois é inocentado pela Justiça:
— Para evitar situações como essa, é que não se pode tomar um ato lícito, fruto de uma conveniência política, com uma condenação que enseja inelegibilidade. Já tivemos casos, salvo engano do Paraná, em que um parlamentar renunciou para evitar a perda do mandato, porque ele era acusado de um crime, e depois foi absolvido, negado o fato. É preciso reconhecer essa peculiaridade, porque os fatos da vida são muito mais ricos que a letra fria da lei.
O advogado eleitoral Carlos Frota, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudo Jurídico (Ibrapej), vê com preocupação a mudança prevista no novo Código Eleitoral. Para ele, que teme a possibilidade de um retrocesso, a inelegibilidade prevista atualmente é positiva porque acabou com a “farra das renúncias”.
— A Lei da Ficha Limpa, que impôs inelegibilidade de oito anos após o término do prazo do mandato, foi um freio de arrumação nas sucessivas renúncias de parlamentares em processo de quebra de decoro para poder se candidatar na eleição seguinte — afirmou Frota.
Punição menor
O texto de Margarete também traz outra alteração importante. Trata-se de uma medida que pode encurtar o período pelo qual políticos condenados em segunda instância ficam proibidos de disputar eleições. Hoje, o prazo só começa a contar após ele cumprir a pena imposta pela Justiça. O relatório da deputada determina que passa a valer a partir da data da condenação.
A norma é inspirada em decisão do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em dezembro do ano passado, em julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa, ele retirou a expressão “após o cumprimento da pena” nos casos de condenação por alguns tipos de crimes. O entendimento, porém, ainda não foi endossado pelos demais ministros da Corte. Há duas semanas, Nunes Marques enviou a ação ao plenário virtual.
Em outro ponto, o projeto também oferece uma blindagem maior aos políticos que desejam disputar as eleições. Segundo o texto, as condições de “elegibilidade” devem ser verificadas “no momento de formalização” da candidatura.
O texto protege os postulantes de casos pendentes de análise pelo Judiciário. Ou seja, impossibilita a rejeição de uma candidatura após a realização das eleições ou meso durante o período da campanha.
Para garantir a candidatura, o texto também proíbe que o Ministério Público Eleitoral suscite impedimento do político após o processo de registro de candidatura na Justiça Eleitoral.
Ontem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a votação do código foi marcada para a próxima semana. Qualquer alteração na legislação eleitoral só poderá valer em 2022 caso haja aprovação por Câmara e Senado até outubro.
— Depois dessa nova rodada, novas discussões, novas sugestões, ficou acertado para quinta-feira ir a plenário. Para que se respeite o tempo máximo que nós podemos dar ao Senado. (Importante) não deixar para depois do feriado (de 7 de setembro), pois aí ficaria quase que impossível a discussão no Senado —disse Lira.