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Drama das famílias de desaparecidos em Brumadinho completa 3 anos

Por Dentro De Tudo:

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Diamante, esmeralda ou ouro branco. As joias mais valiosas perdem seu poder de sedução para quem chega a Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, cidade arrasada pelo rompimento da barragem de rejeitos de ferro da mineradora Vale há exatos três anos. Lá, as joias raras são outras e têm seis nomes conhecidos e saudosos: Cristiane, Luís Felipe, Maria de Lurdes, Nathalia, Olímpio e Tiago. Vítimas do estouro do reservatório, eles não foram encontrados em meio à avalanche de lama dos rejeitos de minério que escorreram da mina Córrego do Feijão em 25 de janeiro de 2019. Para as famílias, ficaram o vazio e a saudade. Para os bombeiros, que ainda trabalham nas buscas, permanecem esperança e alento diário.
Passa de 1 mil dias o tempo transcorrido desde o dramático rompimento da barragem, que ceifou as vidas de 270 pessoas. O governo do estado assumiu o compromisso junto ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) de prosseguir nas buscas da Operação Brumadinho, dando às famílias das vítimas a chance de encerrar essa fase de vida delas de forma mais humanizada. “Para que todas as famílias que perderam seus familiares possam ter esse alento de sepultar os seus com dignidade, ter um local onde possam fazer uma oração, levar uma flor em todos os momentos que desejarem”, explica Josiana Resende, representante da Comissão dos Não Encontrados.
 
O corpo da irmã de Josiana só foi encontrado e identificado em agosto do ano passado, após 2 anos e 7 meses de busca. “Passamos por isso, sabemos o que é esperar mais de 900 dias sentindo angústia, turbilhão de sentimentos te invadindo, lutando mesmo presos ao dia do rompimento. É a notícia mais triste que alguém que ama pode receber, mas é a que as famílias que perderam suas joias têm esperado”, afirma Josiana.
Os bombeiros correspondem às esperanças das famílias. “Enquanto houver esperança, nós, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, permaneceremos incansáveis na busca pelas seis joias restantes”, afirmou o tenente Ricardo Torrezani de Oliveira, atual chefe de operações em Brumadinho.
Ele lembra que a operação avançou ao longo desses três anos. Nos primeiros dias, houve gargalos logísticos, passando pelo trabalho integrado de mais de 50 órgãos do estado, a fase de georreferenciamento de dados necessários para as buscas das vítimas, o emprego de cães farejadores e maquinário pesado. Na estratégia conduzida agora, os militares contam com estações de buscas. “Mas o principal avanço, de fato, é termos logrado êxito na localização e identificação de 264 vítimas, proporcionando um alento e conforto para as famílias afetadas”, pontua.
  
Comando e estratégia 
Em alguns momentos, as buscas foram suspensas, primeiro em razão da pandemia de COVID-19,  e, recentemente, devido às fortes chuvas que atingiram o estado. “Mesmo assim, a operação nunca parou de fato, porque uma equipe sempre permaneceu no posto de comando, na Base Bravo, planejando, preparando a parte logística e monitorando os trabalhos de melhorias do campo de atuação para que haja um retorno seguro e breve das buscas”, explicou.
As buscas foram suspensas no último dia 10 porque o material a ser revirado está sem condições de vistoria, após os temporais. “Quando o rejeito tem contato com a água, sofre aglutinação. Quando a gente vai fazer uma vistoria, ele cai como se fosse um bloco. Então, se tiver algum segmento ali, a gente não consegue fazer uma vistoria de qualidade porque ele não cai ‘esfarelado’, vai cair em pequenos ou grandes blocos”, explica. Para evitar que a suspensão se prolongue, a corporação separou grande parte do rejeito a ser vistoriado em planos inclinados, para que haja desidratação do material, além de o cobrir com lonas, diante da possibilidade de novas precipitações.
Ausências que deixaram saudade e angústia para encerrar ciclo
Cristiane Antunes Campos
Familiares e amigos se lembram de Cris, como chamavam, carinhosamente, Cristiane Antunes Campos, pelo jeito amigável e a característica de mulher destemida. Mãe de dois filhos, ela gostava de fazer resenhas para quem amava e dançar forró, esticando o fim dos bailes. O trabalho na mineradora Vale começou como motorista de caminhão para mais tarde passar a técnica em mineração. O reconhecimento veio mais tarde, quando Cristiane  se tornou supervisora de mina em Brumadinho. Ela foi atingida pela lama de minério que escorreu da barragem, que ceifou sua vida aos 34 anos. Sempre fez o que podia para dar o melhor para seus filhos, e, ao mesmo tempo, era muito dedicada ao ofício, tendo zelado pelo trabalho em equipe. Tinha acabado de conquistar o cargo de gestão com muita energia para crescer na empresa e realizar planos pessoais. Deixou mãe, irmã, dois filhos e muita saudade.
Luís Felipe Alves
Reconhecido pelo caráter amigável e benevolente, o engenheiro de produção Luís Felipe Alves havia completado apenas três meses de trabalho no setor administrativo da Vale, em Brumadinho, quando ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro. Ele morou em Santos (SP), com o irmão, onde iniciou o curso de engenharia química na Universidade Santa Cecília (Unisanta). Mudou-se, posteriormente, para o Espírito Santo, passando a cursar a universidade. A história de engajamento social dele foi construída em Jundiaí, no interior paulista, onde Pivet – apelido de infância – liderava iniciativa promovida todo ano pela torcida organizada Raça Tricolor visando à arrecadação e distribuição de brinquedos e cestas básicas, às vésperas do Natal. O rompimento da barragem é assunto reservado para a família dele. A mãe do engenheiro, a jornalista aposentada Sílvia Helena Ferraz Santos, de 63 anos, assumiu o legado social do filho, mas evita dar entrevistas sobre o assunto. “Inesperadamente, há quase três anos o meu filho partiu. E no ano seguinte, o amigo de infância. Eu jamais poderia encerrar a missão idealizada e conduzida por eles”, afirmou à Folhapress, no ano passado.
Nathalia de Oliveira Porto Araújo
 
“Na hora da tragédia, ela ligou para o marido e falou: ‘Jorge, está acontecendo um negócio esquisito, está tremendo tudo, não estou sabendo o que está acontecendo’. Ela olhou pra trás e viu a onda de lama vindo. Ela só falou: ‘Deus me dá o livramento’. E acabou”, conta a prima de Nathalia Araújo, Tânia Efigênia de Oliveira Queiroz, que ajudou a criar Nathalia, então com 25 anos. No momento em que a barragem da mina da Vale se rompeu, Nathalia cumpriu seu estágio de técnica de mineração, jornada iniciada quatro meses antes. Estudiosa e esforçada, não havia quem não gostasse dela, segundo os amigos e familiares. Perdeu a vida e grandes chances de promoção no trabalho. A trajetória de Nathalia foi trilhada com dificuldades, mas não sem persistência. Desde 25 de janeiro de 2019, o marido e os dois filhos dela não escondem a sensação do vazio no coração.
 
 
 
Maria de Lurdes Bueno
Malu, como Maria de Lurdes Bueno gostava de ser chamada, tinha 59 anos ao ser vitimada no rompimento da barragem de rejeitos de minério da Vale, em Brumadinho. Na atuação profissional como corretora de imóveis, era admirada pela disposição e envolvimento no trabalho, um dos orgulhos dos dois filhos e um neto. Se ainda estivesse viva, teria compartilhado o amor de três netos. A partida de Maria de Lurdes deixou saudades, também, na mãe e irmãos, que se recordam de como ela gostava de dedicar tempo aos amigos e à família. Carinhosa e atenciosa, Malu adorava melhorar a estrutura e o aconchego de casa, além de cuidado com o jardim. Tinha sempre um ou mais projetos nos quais trabalhava para o lar da família.
 
 
 
Tiago Tadeu Mendes da Silva
Trabalhador dedicado, Tiago Silva trabalhou na unidade da Vale em Sarzedo, Região Metropolitana de Belo Horizonte, antes de ser transferido para a mina de Córrego do Feijão 20 dias antes do rompimento da barragem de rejeitos. Então recém-formado em engenharia, estava feliz com a nova jornada profissional. A alegria que foi soterrada pela lama faz falta aos filhos. Quando Tiago morreu, a filha estava com 4 anos e o filho era um bebê de 7 meses. “A menina é a que mais sofre porque conviveu com ele. Ela fala comigo: ‘Vovó, você está triste por causa do papai, não precisa ficar, a montanha matou ele, mas ele foi pro céu’. É muito difícil ouvir isso”, conta a mãe de Tiago, Lúcia Mendes, que era muito próxima do filho. “O que eu mais sofro é porque eu não pude enterrar meu filho. Nem o corpo dele a Vale me devolveu. Qual mãe vai aceitar enterrar um filho debaixo da lama? A gente não aceita”, diz indignada.
 
 
 
Olímpio Gomes Pinto
 
Simplicidade era o sobrenome do ex-auxiliar de sondagem Olímpio Gomes. Enxergar felicidade mesmo em dias difíceis da vida não é tarefa fácil para qualquer um, mas ele costumava dar aulas sobre como as pessoas poderiam encarar o dia a dia com mais leveza. Não importava a ocasião, todo momento era hora de contar uma piada – das boas ou daquelas tão ruins que ficavam boas. Numa reunião à beira do fogão, para agradá-lo bastava oferecer torresmo, couve e carne cozida. Para beber? “Traz uma cachaça, aí”, dizia Olímpio. E se pudesse ir a cavalo, considerava bem melhor. Ar livre, contato com a natureza e a liberdade de cavalgar, hobby declarado dele, eram grandes paixões. Olímpio perdeu a vida no soterramento de lama aos 59 anos, deixando saudades na esposa, Geralda, e nos filhos Flanki, Hátilas e Leo Jhones.
 

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